domingo, 30 de janeiro de 2011

Morada Aracnídeo
Domingão sem mormaço. Com solão rachando a cachola. Tipicamente cuiabano. E o cimento do quintal urrando de quentura. Difícil até mesmo estender as roupas no varal, descalço, por causa do chão demais de quente. Ufa...

Quando o sol abre em todo seu esplendor aqui em Cuiabá, especialmente num domingo, a primeira coisa que me dá é a saudade da praia. Meus tempos de Rio de Janeiro e minha infância em Niterói quando, aos domingos, meu pai nos acordava aos gritos de ‘olha a praia’... ‘olha a praia’. E lá íamos no Aero Willys branco, rumo as praias que ficam afastadas da cidade. Itacoatiara, Itaipu, Piratininga. Tempo bom. Não volta mais.

Meu vizinho aqui de bairro, que toca um pequeno mercado, onde tenho conta há 15 ou mais anos, o Emerson, tirou férias e fechou o estabelecimento. Todos os anos ele faz isso. Neste ano, pouco antes de fechar, disse-me que ia para o rio, curtir uma praia e comer siri. Putz, que inveja. Mas depois se explicou: foi pro Rio Cuiabá, na Praia Grande, em Leverger, comer siriguela. Tá valendo.

Velha companheira dos domingos

E a dupla aqui do Tyrannus ficou emburacada, trancafiada no lar. Chique no úrtimo, com um desses ar condicionados modernos, agora também na sala. Cervejinha, vinho, futebol pela televisão, filmes, rangos produzidos... Um bacalhau no sábado, uma paleta de cordeiro domingo. É bom. Ficar em casa também é programaço.

Invasão... alienigenas e sua nave espacial

Nenhum problema sério, nada mais desconfortável rolou neste final de semana. Uma pena que a cafeteira italiana, agora com borrachinha nova, não funcionou. Acho um luxo essa cafeteira e a Fátima passou numa dessas lojas que tem tudo, onde achou a peça que supostamente estava estragada. Sabem como é. As mulheres, ou pelo menos a maior parte delas, não resiste a uma boa loja de utilidades domésticas. Aqui em casa temos uma coleção desses pequenos objetos que facilitam as lides domésticas, ainda mais na cozinha. Aparelho que descasca legumes, centrifugador de folhas para retirar a água, fazedor de espuma pra capuccino, pegador de petiscos fritos e por aí vai que vai.



Mas, voltando à cafeteira, quando fui informado que ela voltaria a funcionar, fiquei feliz. Não sou tão amante do café, mas acho esse utensílio, um design bem sucedido italiano, coisa demais de bacana. Certa vez vi uma bela moça com um par de brincos que reproduziam essas diminutas cafeteiras. Que coisa graciosa... Tava que era um brinco. Pois é. Mas então, a reinauguração da nossa cafeteira italiana fica pra outro dia.

No final da tarde deste domingo, consegui ouvir o sino da felicidade, um desses que a gente pendura num local estratégico da casa e, quando venta, soa um discreto badalar. Também o temos. O nosso, como é feito de um metal oco por dentro, achou de servir de casa para uma pequena aranha. Daí que ele fica meio amarrado e precisa de vento pra soar. Só brisa não lhe basta. E, sinceramente, não pretendo desalojar a aranha que já faz parte do ecossistema doméstico.

Presente direto do Moma


Presente de casamento
Então é isso. Ficamos curtindo o aconchego do lar em mais um final de semana. Apreciando e curtindo pequenas coisas, objetos, hábitos e gestos, cuja somatória, também resume um pouco da nossa felicidade. E é justamente ela, a tal felicidade, que a gente descobre e precisa conquistar no ambiente doméstico, a pedra fundamental da conversa de hoje do Tyrannus. Simples e corriqueira. Sem mais para o momento...
     
Pieguices do amor

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Alguma novidade, Claudio? Pergunto na manhã ensolarada desta quinta (27), pelo telefone, ao meu repórter de cultura. “Uma notícia maravilhosa, Loro. Wander Antunes é destaque na Ilustrada, da Folha, hoje”. Lembrei-me na hora que, na edição de 29 de dezembro, no apagar de 2010, na capa da Ilustrada, lá estava, entre outros, um “pedacito” da boa arte que é produzida por artistas que têm ligação forte com MT. Era o CD Vanguart (2007), homônimo da banda cuiabana, radicada em São Paulo, que foi selecionado entre os 50 mais importantes trabalhos da indústria fonográfica brasileira nos anos 2000.

A seleção foi feita por jornalistas da Folha (repórteres e editores), usando como critério, não apenas a qualidade estética, mas aspectos como o sucesso mercadológico e a contribuição que foi conferida, pelo CD, no processo de transformação da indústria musical.
Esse é o cara
Mas, voltemos ao Wander. Esse goiano que virou cuiabano faz horas e que há alguns anos, mesmo morando aqui, fincou o pé no mercado europeu das histórias em quadrinhos, está fazendo bonito. O álbum lançado ano passado pela editora franco-belga Dupuis “Toute la poussière du chemin”,  escrito por Wander e ilustrado pelo espanhol Jaime Martin, foi selecionado pelo mais importante festival de quadrinhos da Europa, o Festival International de la Bande Dessineé d’Angoulême, que está em sua 38ª edição.


“Eu não tenho a menor chance de ganhar...”, disse Wander por telefone. Explicou que d’Angoulême avaliou mais de cinco mil publicações do gênero que foram lançadas em 2010 e selecionou cerca de 1% desse total. Nessa fatia minúscula está “Toda a poeira da estrada” (Toute la poussière du chemin), ainda inédito no Brasil. O álbum narra a história de dois personagens que se encontram na estrada, durante a Grande Depressão americana.

Ele me disse que topa fazer uma ‘literameriquinha’. E pede o apoio de todos para materializar um espaço que está criando na internet, onde vai acoplar tudo quanto é tipo de lei indecente, obscena etc. e tal. Vamos ajudar o cara, gente boa. Escolha a sua lei espúria e envie para o e-mail wanderantunes@terra.com.br. Grande Wander, bravo!


Mais coisas do Wander, que é talentoso no desenho, mas que tem se destacado mais como roteirista; podem ser conferidas no blog do cara: www.wanderantunes.blogspot.com.



terça-feira, 25 de janeiro de 2011


Quando era criança adorava deitar na varanda de casa com meus irmãos, amigos e às vezes só, para ficar olhando as nuvens no céu. Ficava horas decifrando e dando nome as formas, adorava ver a lenta formação de uma nova nuvem se juntando com outras ou, a partir da perda de partes. Na maioria das vezes rolava um enredinho, bobagens. Ainda hoje folheio e leio sempre que posso, aleatoriamente, o “Guia do Observador de Nuvens” (Gavin Pretor-Piney).
Mais pra frente na minha vida, andei lendo Platão, sem muito compromisso. Uma coisa que nunca me saiu da minha cabeça de nuvem foi quando me deparei com a história do ‘mundo das idéias’, ou a Teoria das Idéias, de Platão. Imaginava as idéias soltas, vagando pelo firmamento como nuvens, acessíveis a qualquer ser. Fácil, só levantar os braços, alcançar e pegar uma. Imagino também que nem sempre se pega o que se quer. Tem que ter um pouco de sorte. 
A era digital me parece algo similar. Onde estão e pra onde vão todas as informações dos grandes arquivos do Google, do Youtube e outros que nem sei? Há tempos discutimos sobre isso. Acho semelhante com o meu pensamento de criança: as nuvens, as idéias, a facilidade em pegar e se apossar. Tá tudo aí. Basta ligar o computador e as informações e idéias estão aí, disponíveis, só pegar. Esse meu pensamento, em parte, é empirimos puro, tabula rasa. Na verdade, as idéias, as idéias com I maiúsculo ainda estão na cabeça dos homens. Na dos pensadores, especialmente. O mundo virtual do “seleciona/copia/corta/cola” não acessa nuvem nenhuma, muito menos nos adentra ao mundo das idéias, de Platão. Ao contrário, exclui. Ou pelo menos não deixa pistas suficientes...

Platão (427-347 a.C.)
Lorenzo disse que quando realizamos, construímos algo, a idéia deixa de existir. O que era ficção, passa a ser como que realidade. Algo assim. O Chico Amorim (personagem lendário da cuiabania inteligente) dizia, àqueles que ficavam desdenhando e criticando obras de arte: “Olha, qualquer idiota pode fazer o que o artista faz, mas só o artista faz...”



Mora na filosofia (1956-2002)
 Nas últimas semanas temos assistido entrevistas incríveis com filósofos pela TV. Mucho loco, men. São programas de dez, quinze minutos, que a gente faz questão de gravar. O impacto que esses falatórios todos têm causado em nossas cabeças parece coisa de outro mundo. O melhor a fazer quando um grande filósofo está falando é ouvir. Fica a impressão que um filósofo em ação, nesta poeirinha do século XXI – tempos da plenitude tecnológica, quando expõe todo o seu conhecimento, sacode a poeira.  
    
Alain Touraine

Slavoz Zizek


Gilles Deleuze (1925-1995)

Cumuloninbus: tempestade de idéias


segunda-feira, 24 de janeiro de 2011


Ah, se todos fossem iguais a você...
 “É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando / É a luz da manhã, é o tijolo chegando”. Nesta terça (25), enquanto as águas de março, ainda vão demorar a fechar o verão comemora-se ... o tom ou o dia da bossa nova? Nesse dia nasceu Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, nasceu o tom do Brasil, nasceu Tom Jobim e comemora-se o dia da Bossa Nova.

Com letras maiúsculas, por favor: Bossa Nova. Um movimento musical brasileiro que conquistou o mundo e mostra a sofisticação da sonoridade made in Brazil. Pra mim, o nome de Tom, o Jobim, deveria se escrever com letras minúsculas, uma singela homenagem: tom. Se estivesse vivo tom completaria 84 anos.

Se acompanhando com a Garota de Ipanema
 “É pau, é pedra, é o fim do caminho / É um resto de toco, é um pouco sozinho / É um caco de vidro, é a vida, é o sol / É a noite, é a morte, é um laço é o anzol.” É o Brasil contando seus mortos pelas enxurradas do noticiário.  Artistas, têm vezes, são visionários, autênticos demiurgos, criaturas intermediárias entre a natureza divina e a humana.

pau, pedra, fim, caminho

É o fim do caminho

É um pouco sozinho
 “É uma cobra, é um pau, é João, é José / É um espinho na mão, é um corte no pé”. É Tom Jobim pedindo que Drummond lhe sugira um dicionário de rimas e o poeta responde que quem compôs águas de março não precisaria disso.

“É o projeto da casa, é o corpo na cama / É o carro enguiçado, é a lama, é a lama”.  É a casa do Tom, onde ele compôs águas de março, sendo tragada pela força das águas. “São as águas de março fechando o verão / É a promessa de vida no seu coração”.

É o projeto da casa
Dia de Tom virou o Dia da Bossa Nova. Talvez, por causa de tantas tragédias, bom de se comemorar pianinho. Dizem que a bossa é jazz. Talvez por ela, eu tenha aprendido a gostar de jazz. 

Houve um tempo que, entre minhas tantas idas e vindas ao Rio de Janeiro, quando o avião se preparava para aterrissar na Cidade Maravilhosa, a tripulação colocava pra rodar “Samba do Avião”, de Tom e eu reparava no Cristo Redentor com seus braços abertos sobre a Guanabara. Fico morrendo de saudades. Mais gente, não é que até o Cristo Redentor, tá em área de risco, e agora?  

Braços abertos sobre a Guanabara
Tem gente que não curte muito a Bossa Nova. Eu sim. Acho o Tom, João, Nara, Vinicius e uma penca de gente o máximo. Nasci em 1958, o ano em que a bossa deixava de ser apenas embrionária. Me orgulho disso e já dei o recado. Chega de saudade!
                                                          



domingo, 23 de janeiro de 2011

E se não tivesse amor

O amor é uma flor roxa que nasce no coração dos trouxas. Aprendi essa trovinha simples na adolescência e, com o passar dos anos, li e ouvi dizer muitas coisas mais sobre o amor. Meu aprendizado ensinou-me que ser ou não ser trouxa não é coisa racional. Tem a ver com o coração. Bom, o coração é algo mais que uma palavra. É o órgão vital para as mais surpreendentes metáforas. Surpresas da nossa passagem por este mundo. Dá-lhe amor!

Mauro e Kátia e seu Véu de Noiva 
 “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e se não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e se não tivesse amor, nada seria...”

Caiu como um luva o trecho bíblico acima proclamado numa cerimônia de casamento que teve como o cenário os penhascos da Chapada dos Guimarães, efeitos especiais da luz do por do sol, a entrada (não programada!) de uma tênue névoa, e tudo isso temperado pela emoção dos familiares e amigos. A hora H de Maurinho Pando e Katia Follmann.

Sem cerimônia
Morro dos Ventos (não uivantes) foi o local onde a união se fez verdade. Umas cem pessoas mais ou menos. Gente do Paraná (turma da noiva) e gente de Dracena (turma do noivo). Exceções, claro. Sabe o residencial Vila Verde, aquele próximo do viaduto da Fernando Correa? Tinha uma galera de lá, reduto familiar do noivo, desde quando mudou pra Cuiabá. Antigamente, dizia-se que ali era o Pico do Amor. Olha o amor novamente no pedaço...

Na lente do Tasso... 
Casamento precisa de amor, glamur, emoção. E outras cositas complementares. Agora, se tudo transcorrer com simplicidade, fica melhor ainda. Tem que ter todo aquele ritual.  O atraso da noiva, os padrinhos, crianças vestidas que nem gente grande, comes e bebes. Fotos... Trocentas milhões de fotos. Ah... uma boa música  deixa a cerimônia soberba.

Quando cheguei ao Morro dos Ventos vi o Renan, jovem violinista que estuda em Goiânia, mas começou na Orquestra de MT. Ele integra uma companhia que sonoriza casamentos e o cara é bom. Logo depois vi andando por lá o Danilo Barero (Mandala), guitarrista virtuoso. “Teremos música de primeira”, vibrei. Nessa altura eu já ouvia um jazz maneiro.

Mucho loco

Encontro de vozes

Pop romântico nacional e internacional, a marcha nupcial (Mendelssohn, com direito a clarins), um DJ mandando bala e todo o suingue da banda Mandala, botando pra quebrar com Tim Maia, Jorge Ben, Ed Mota etc. No finalzinho rolou até um som mecânico com sertanejo universitário. Ecletismo é isso aí. Não dava pra ficar parado.

Cantando a noiva
Quando pensei num resumo daquilo que havia acabado de vivenciar, me vieram à cabeça as imagens do Maurinho, noivo com experiência em bandas e palcos, cantando um dos sucessos do The Doors, abraçado com sua mãe e a sogra. Olha gente, se o que rolou não foi uma cerimônia digníssima e representativa de um casamento a cara do Século XXI, não está mais aqui quem escreveu.

Boa sorte e uma performance amorosa implacável, como as placas tectônicas da velha Chapada.

Maurinho e Katia agora fora do Paredão

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Unabomber do cerrado


“Eu não posso passar contrariedade.” Costumo dizer quase que diariamente. Meio em tom de brincadeira, meio sério. Em horas próprias, noutras nem tanto. Me descobri hipertenso há uns 15 anos e uma avaliação clínica do cardiologista que procurei naqueles tempos recomendou que eu me afastasse desses conflitos cotidianos, discussões, celeumas etc, que acontecem em nossas vidas, de uma hora para outra, em qualquer lugar. Com base nisso, vinha ‘tenteando’ minha hipertensão, monitorando a pressão que se mantinha em níveis normais. Até chegar o finalzinho de 2010, quando passei por um desconforto financeiro.


“Dizem que uma das partes mais sensíveis do nosso corpo é o bolso”, orientou-me a médica que procurei, movido por aquele sentimento de investir na saúde, que acomete a gente num início de ano. Minha pressão estava um pouquinho acima do desejado e ninguém garante que isso nada tem a ver com questões financeiras pessoais.


Então, nesta quinta (20), comecei uma bateria de exames solicitados. Comecei pelo mais inusitado, já que aprecio novas experiências. Uma espécie de mapeamento que monitora a pressão da gente. Uma bateria na cintura e uma faixa no antebraço, que nem aquela de capitão do time. De trinta em trinta minutos, ou sei lá com qual frequência, a faixa aperta o nosso membro (não confundir com outro membro), de uma forma que parece que quer esmagar. E a gente fica assim durante 24 horas. Depois volta ao local de origem, onde nos foi colocado o artefato, para retirá-lo. E tem um relatório a ser feito explicando como foi nosso dia com a geringonça. Como sou bom para escrever, espero arrasar nesse relatório. Se ficar bom e a médica aprovar, talvez até o publique aqui no blog.

Unabomber caipira: Exprode coração

“Pelo menos, a gente não precisa tomar banho”, disse à enfermeira que me paramentou. Ela explicou para eu manter a minha rotina diária. “Mas como, já precisei acordar seis e meia da manhã pra vir aqui... Estraçalhei minha rotina”, argumentei. Bom, então tratei de manter a rotina... Uma cervejinha, alguns poucos cigarros a partir da tarde caindo, escrever aqui no Tyrannus... O de sempre. Ah, e teve jogo de futebol pela televisão, o meu Fluzão contra o poderoso Bangu, estreia no campeonato carioca. O futebol mexe comigo, mas a emoção nem foi tanta assim.


Voltemos no tempo. Antes de colocar o equipamento, enquanto esperava numa salinha, conversei com um senhor que também aguardava atendimento. Falamos sobre a barreira dos 50 anos, quando o corpo começa a fraquejar pra valer. Lembrei de um amigo que disse certa vez: “O tempo é uma fábrica de monstros”. Rimos um pouco dessa realidade cruel. Um outro senhor, que chegou durante a conversação, um pouco mais avançado no tempo, disse: “Às vezes, tenho até vergonha de dizer que sou homem...”, olhei-o indagativo. “Não estou prestando mais pra nada”, concluiu.


Fiquei um pouco entristecido, pois me faltou uma frase de apoio mais contundente ao meu interlocutor. Tratei de não dar nenhum suspiro. Ele prosseguiu dizendo-se papa-banana, da terra de mamãe, e apresentou-se como um homem do campo, daqueles que labuta fisicamente. Expliquei-lhe que eu fazia o gênero mais preguiçoso e, como jornalista, escrevinhador, poderia até levar uma máquina de escrever (coisa mais apropriada para os antigos) pra cova. Aí chegou minha vez de me iniciar no tal holter/mapa.
E cá estou eu, digitando o finalzinho deste texto, esperando mais um apito do aparelho, avisando que meu antebraço esquerdo será esmagado mais uma vez...  

Detalhe tela de Clovis Irigaray
O amor bate na porta
O amor bate na aorta,
Fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
O amor ronca na horta
Entre pés de laranjeira
Entre uvas meio verdes
E desejos já maduros.

(Drummond, “O Amor bate na aorta”)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Fala que eu te escuto (sic)
Sempre me encantei de cara com as pessoas, por isso decepcionei-me mais que os outros. Era alvo de chacotas dos amigos por errar no  “primeiro contato”. Eles reconheciam um “malaco” de cara. Eu não. Mas, por outro lado (quando não errei)  fiz os amigos da minha vida. São muitos e poucos ao mesmo tempo, depende da escala. Uns loucos, porra loca, outros caretas, caretesimos. Uns com longo tempo de convivência, outros com pouco... Circunstâncias.

  “A amizade é como uma plantinha. Você tem que regar e cuidar dela”. É o que costuma dizer o lado Tyrannus aqui do blog, e o Melancholicus assina embaixo. Desde ontem estávamos ansiosos e felizes por um reencontro que aconteceu na tarde desta quarta-feira (19). Duas amigas de mais de vinte anos, hoje ausentes de Cuiabá, estiveram conosco. Passamos o final da tarde conversando, rememorando e aproveitando momentos felizes.

Rosi Pando e Meire Pedroso
Meire Pedroso e Rosi Pando, foram parceiras de uma efervescência cultural entre o final dos anos 80 e parte dos anos 90, nesta Cuiabá ensolarada. Noitadas, agitos culturais e a solidificação de amizades daquelas que se prolongam por vidas inteiras. Meire reside hoje em Caraguatatuba e Rosi em Dracena, municípios paulistas. Trabalham com educação e com um pé nas artes. Meire, atriz talentosa, produtora e mulher de fibra (não espalhem, mas ela é vovó). Rosi, ex-roqueira (vocalista do GTW, banda hardcore que barbarizou Cuiabá), com experiência em outra artes, principalmente visuais.


Com elas participamos de vários “happening” culturais, especialmente nos palcos. Pelo menos em duas peças fomos parceiros e aprontamos: “O Capote”, uma adaptação livre de texto de Gogol, e “As Águas Vão Rolar”, peça que concebemos sob encomenda para comemorar os 40 anos da extinta Sanemat. Impossível não citar Chico Amorim, um dos maiores artistas que Cuiabá já gerou, dono de um conhecimento que oscilava livremente entre a erudição e as novelas televisivas.


Cuiabá de Capote?, com Gogol


Lorenzo e Meire em "As águas vão rolar..."
 Chico, que se mandou deste mundo no início dos anos 2000 é um amigo ao qual costumo me referir como o morto mais vivo de quem se tem notícia. Frequentemente ressurge em nossos sonhos e conversas. Foi tragado por uma brilhante boemia intelectual. Na noite passada, acho que influenciado pelo reencontro com as amigas em comum, tive um sonho com ele.


Eu estava num ambiente cultural, provavelmente o Palácio da Instrução e eis que sou flagrado por uma equipe que fazia um vídeo por ali. Um sujeito, que imagino quem seja, mas não apareceu claramente no sonho e que comandava o vídeo,  me incumbiu de expor meus conhecimentos sobre mitologia. “Você vai falar sobre Caronte”, ordenou. Eu disse que nem me lembrava quem era Caronte. E ele explicou que era uma espécie de escravo, que se envolveu com uma princesa e que seu busto estava esculturado numa nau que singrava os mares... Achei estranho, improvável, mas disse... “Ah, então tá”. É engraçado que, no sonho, eu não me lembrava de quem era Caronte. Mas o sonho prosseguiu e eis que me encontro com Chico, ele numa canoa, com uma moça novinha linda, negra e analfabeta. E o sonho acabou.


Acordei e aí me lembrei de Caronte, o barqueiro dos mortos, que atravessava as almas pelo rio Aqueronte, que delimitava a região infernal. Mas Caronte só atravessava os mortos que estivessem com uma moeda sob a língua (como era costume dos gregos), com a qual, pagavam sua travessia. Se não pagassem, ficariam no limbo e voltavam para assombrar os vivos.

Shi.....


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Desolação

Desolação do Lorenzo by Van Gogh
Sim. Fomos derrotados novamente pela tecnologia, associada aos serviços ruins de internet que pelo menos duas empresas que atuam na telefonia em Cuiabá oferecem. Desde quarta-feira nosso blog estava ilhado, estilo Robinson Crusoé, aqui no Recanto dos Pássaros. Vocês sabem que o Tyrannus Melancholicus é um pássaro, o Siriri (dançou), amarelinho mais claro que o Bemtevi. Então é natural que ele precise do seu espaço, já que é um passarinho territorialista, pra cumprir sua missão.


Sabe aquela história de MBA que eu, particularmente, acho um saco, mas todo mundo diz que funciona. Então, nosso blog tem lá a sua missão. E conceito. É uma espécie de veículo de comunicação que preza muito a natureza e a ambiência onde é feita a postagem. Nossos textos têm que ser inseridos daqui de casa, quase sempre de noite, depois de um dia inteiro de formalismos profissionais. O ambiente do nosso lar é o ideal pra gente escrever o que pensa, tendo compromisso unicamente o prazer da comunicação. Compartilhar ideias, provocar reflexões, brincar, tripudiar, informar às avessas, curtir etc. Escrever aqui no Tyrannus, acima de tudo, tem sido isso: uma atividade prazerosa.


Alegria da patroa, sem telefone e internet (Van Gogh)

Bom, quem pisou na bola conosco foram a Oi e a GVT. A Oi vinha oferecendo uma conectividade sofrível praticamente ao longo de 2010, mas a coisa piorou em dezembro, até que, finalmente, a gente migrou para a GVT. E a GVT veio aqui em casa no sábado passado (15/01), fez a gente madrugar (brincadeira essa história de acordar antes das oito num sábado), trocou a fiação e prometeu que nesse mesmo dia teríamos acesso à rede.


O rapazinho que veio fazer o serviço atravessou um fio de um telhado (da varanda do fundo) para outro (do escritório), que ficou uma coisa parecendo um varal de roupas acima da altura padrão. Uma beleza, imaginem. E depois saiu rapidinho, dizendo que era pra gente ligar na GVT pra configurar o moden. O cara já tinha se mandado, quando a gente ligou pra GVT e aí a mentira pegou. A internet, a exemplo da nossa telefonia, só passaria a funcionar na terça (18/01). Putz, que sacanagem.     

Não quero nem ver 
Então, é isso aí. Uma tristeza lascada, um vazio incomensurável e um ócio nada criativo. Acho que a coisa mais produtiva que fiz no final de semana passado, excluindo um certo requinte na gastronomia, que é comum em nossos sábados e domingos; foi plantar uma bocaiuveira, presente do Nicola, um cuiabano descendente de gregos, mais de “chapa e cruz”.


A jovem bocaiuveira

E espero que não seja preciso ela crescer pra nossa internet voltar, porque eu não consigo mais controlar essa vontade que sinto de mandar todas essas empresas de telefonia catar coquinho. Lá no asfalto, lá fora... Bem longe daqui.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A semana começou mexendo com simbologias. O primeiro caso foi o da presidenta Dilma que tirou de seu gabinete o crucifixo e a bíblia e gerou um Deus nos acuda! Mas cá com nossos botões, que simbolizam o nosso pensamento... Putz, mas a presidenta não tá formatando o maior programa pra combater a pobreza extrema no Brasil? Você quer uma ação mais cristã do que ajudar os nossos mais necessitados irmãos? Agora, pense com a gente, o que vale mais: manter a simbologia cristã ostentada em seu gabinete, ou arregaçar as mangas e mandar ver, com unhas e dentes, pra tirar um monte de gente da miserabilidade?  

Ma-ra-vi-lhaaaa
Outro caso sobre o poder dos símbolos vem da emissão de passaportes diplomáticos para os filhos do ex-presidente e mais uma carrada de gente, dos nos nossos poderes constituídos. Ora, um passaporte desses, faz toda a diferença nas intermináveis filas dos aeroportos internacionais. Principalmente se o cidadão vai a turismo, pois o “doc” facilidade na alfândega. O passaporte diplomático é tudo.


"Ora-pro-nobis"


Um gesto decente e que simboliza dignidade foi o do bispo Dom Manuel Edmilson Cruz que, no final do ano passado, recusou um prêmio no Congresso, protestando contra o indecente aumento salarial dado aos políticos brasileiros, aprovado no apagar das luzes, a eles mesmos. É mole? Na cerimônia, o bispo bradou: “sinto-me primeiro, perplexo; depois decidido. Só me resta uma atitude: recusá-la. Ela é um atentado, uma afronta ao povo brasileiro, ao cidadão, à cidadã contribuintes para o bem de todos, com o suor do seu rosto e a dignidade de seu trabalho. É seu direito exigir justiça e equidade em se tratando de honorários e de salários. Se é seu direito e eu aceitar o prêmio, estou procedendo contra dos Direitos Humanos. Perderia todo o sentido este momento histórico. O aumento a ser ajustado deveria guardar a mesma proporção que o aumento do salário mínimo e da aposentadoria. Isto não acontece. O que acontece, repito, é um atentado contra os Direitos Humanos do nosso povo”, honrou o bispo porreta.   
Panteras Negras: nitro pura


Para explorar os valores simbólicos dos objetos, dos gestos, das palavras, da arte etc, claro que a gente não precisa ficar preso na religiosidade. Nossa conversa, antes de brotar esse texto, girava mais ou menos em torno dessa pauta e a chuva veranista cotidiana pingando lá fora. Era só uma chuvinha aparentemente à toa e eu insistia nesse babado de que um governo não deve levar as coisas pro lado religioso, enquanto a Fátima valorizava fatos e gestos separadamente, como o bispo Desmond Tutu, que deu um show a parte na cerimônia da Fifa, que premiava os melhores valores do futebol mundial, de 2010. Desmond Tutu, aliás, todas as vezes que vejo, dá show.

Paz e amor
E estávamos indo muito bem, definindo a pauta, quando Iansã, a Rainha dos Raios, pintou no pedaço. Fez-se a escuridão aqui no Recanto dos Pássaros, sereno lar do Tyrannus Melancholicus. Um raio estrondou com força, daqueles que parece que cai do lado da gente. Um raio, um símbolo. Dizem que ele não cai duas vezes num mesmo lugar, mas outras descargas elétricas pipocaram por aqui. Uma hora e meia, mais ou menos, sem luz. Tempo suficiente pra gente decidir escrever sobre os símbolos, sem grandes aprofundamentos, sem essa erudição que transborda com a semiótica, ciência que trata dos signos que, por sua vez, têm a ver com os símbolos. E tarará...