Em casa, ontem, assisti trechos de uma entrevista com o psicanalista, escritor e articulista Contardo Calligaris. Sujeito que sempre me dá prazer ler ou ouvir é esse italiano, que teve sua formação alicerçada em Genebra e em Paris, antes de aportar no Brasil em 1985.
Mas não é sobre seus livros ou textos que trato aqui. Até porque, minhas leituras sobre Calligaris são demasiado esparsas, apesar de sempre apreciar sua pegada literária. O que sempre me ponho a pensar em relação a ele é a combinação perfeita que deve ser a sua profissão, que, mesmo que grosseiramente, pode ser traduzida como “ouvidor de histórias”; com o hábito da escrita. Eu ia dizer escrita ficcional, mas não devo, já que hoje, ficção e realidade parecem disputar (ou pirar) a cabeça das pessoas.
Cinema transcendental |
Mataram Bin Laden outro dia e Hollywood já quer filmar. Por falar nele, a imagem da queda das torres, transmitida ao vivo para o mundo inteiro, supera cenas ficcionais de qualquer superprodução do cinema catástrofe. Eu, humilde escritor, costumo dizer que não escrevo ficção. O que faço é pegar a realidade e friccioná-la até dar caldo. E esse caldo é o meu texto, às vezes literário, às vezes pretensamente literário.
Ah, mas quem me dera ser que nem um Calligaris. Ter o meu gabinete – uau o Gabinete do Dr. Calligaris (isso deu filme), trabalhar a cabeça das pessoas e depois ainda aproveitar essas conversações todas para embaçar ou desembaçar personagens. Longe de mim, vejam bem, criticar escritores que se aproveitam de suas respectivas profissões, do conhecimento e da rica experiência de vida que elas fornecem, para compor suas histórias.
O grande Guimarães Rosa, que era médico, não duvido que tenha usado sua experiência profissional para invocar sua célebre obra. Moacyr Scliar, falecido recentemente, também era médico e tinha um texto de alta qualidade. Quem trabalha na área da saúde, quero crer, se for uma pessoa do bem, apreende muito de humanitarismo e daí é natural que se sinta livre, leve e solto na criação literária, especialmente, quando se trata de inventar personagens.
Quem pariu Riobaldo e Diadorim |
Leve e irônico |
Outra profissão que combina demais com literatura (é até covardia) é a do filósofo.
"Dique" represava ideias |
Nos livros todos que li do Ricardo Dicke (sua formação era de filósofo) me assombrava a sofisticação e o alcance do seu pensamento. As referências eruditas e seu conhecimento infinito me pagavam de surpresa a toda hora. Ele foi embora sem me explicar um monte de coisas e virei um discípulo órfão. Mas a rápida conversa que tive com sua psicanalista (esqueci o nome dela) na missa de sétimo dia do Dicke foi altamente esclarecedora sobre sua obra.
Então é mais ou menos isso: gente que labuta na medicina, na filosofia e na psicanálise, me parece, sai na frente em termos da grandiosidade literária. Penso assim, para me lamentar no parágrafo abaixo.
Eu, pobre coitado, sou um mero jornalista. E jornalistas tendem a ser generalistas. Sabem de tudo, mas muito superficialmente. Uma característica que lhes rouba um pouco a capacidade de aprofundamento nesta ou naquela outra seara. Alguns jornalistas, coitados, passam pela vida experimentando unicamente a linguagem jornalística, sem crescer com o fermento de um belo texto literário. Precisariam entender mais do amor pelas letras e rebuscar o prazer da escrita.
Sorte grande, portanto, a dos psicanalistas, médicos e filósofos (entre outros) que “sofrem” da pegada literária. Hão de investigar e retratar com maestria o ainda pouco conhecido grande sertão que imbica nas almas humanas.
Alado para criar |
Da mesma forma que fecho este texto, me vem a necessidade de registrar que não é correto sugerir que apenas uma ou outra profissão, potencialmente, gera escritores mais espetaculares. Há controvérsias.
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