segunda-feira, 23 de maio de 2011

Esparramados no sofá da sala, depois do futebol e do basquete (este emocionante), o domingo ficou querendo algo mais cult. Acionamos a nossa memória e nos lembramos de uma chamada de “O Inferno de Henri-Georges Clouzot”, documentário sobre o filme inconcluso desse cineasta, pouco conhecido, mas merecedor de todas as atenções.  Tava gravado!!!! O ciúme é o tema e o inferno.


(Ciúme... impossível discorrer sobre esse sentimento sem falar de outro sentimento avassalador: a paixão. A origem da palavra ciúme é latina zelumen e do grego zelos. Esse sentimento ambíguo pode ser uma demonstração de cuidado com o outro, mas também de egoísmo ou insegurança. Nesse clima é comum o amor se converter em ódio, “o ciúme sempre nasce com o amor, mas nem sempre morre com o amor”. Ciúme e inveja são irmãos, a inveja traz a dor pelo sentimento de inferioridade e ambos provocam sofrimento em quem não se sente merecedor).

Quando começamos a escrever sobre esse filme, finalmente, descobri porque tinha acordado nesta segunda-feira com a sensação de que tinha tido um sonho estranho. Que sonho que nada... Foi o inferno de Clouzot mesmo.



Dois, três minutos e ficamos aprisionados. O documentário, exibido pela primeira vez na televisão, mistura imagens do “making of” do que era pra ser o “Inferno”, com entrevistas de vários técnicos e cenas que, supostamente, estavam prontas para a edição final da obra. Há verdadeiras viagens visuais (arte cinética) e truques de filmagens. Seria um pecado não registrar a sutileza da trilha sonora proposta pelo diretor. Impressionante. A direção do documentário é de Serge Bromberg e Ruxandra Medrea.






Às vezes em preto e branco, outras em cores, as imagens, sempre acompanhadas por uma edição de áudio perfeita, compõem a solidez do documentário. Um casal de atores reinterpreta os protagonistas centrais da história inconclusa, um suporte interessante para esta perspicaz metalinguagem.

(Lísias, um amigo de Sócrates diz no seu discurso sobre o amor que é melhor ter uma relação com alguém que não o ame do que com alguém que o ame de verdade.  Para ele a paixão traz muitos problemas, sendo o ciúme um deles. Contrapondo Sócrates não condena a paixão, condena o ciúme exacerbado: “uma das paixões”).


Quando se sabe que “Inferno” foi realizado(?) nos anos 60, sem grandes aparatos tecnológicos, fica evidente a genialidade de Clouzot. Um cineasta que escrevia e dirigia seus filmes com paixão, domínio da técnica e da carpintaria cinematográfica. Ele explorava os atores à exaustão dentro do contexto da história. Mas também ousava nas possibilidades da estética que provém da imagem. Um artista completo. O documentário parece preencher uma lamentável lacuna, que foi a não conclusão da obra.







(Paixão vem dos gregos pathos (mesmo que dor), “toda força ou ação externa ao sujeito que provoca neste uma redução de sua capacidade de agir.” A discussão sobre o conceito de paixão para falar sobre o ciúme se justifica porque existem duas linhas de pensamento filosófico: um condena que as paixões, estando o ciúme aí incluído, e quer extirpá-las, já que não se consegue controlá-las e outro, que defende a moderação, em que a razão governa as paixões. Isto é, as paixões a serviço da razão. Você acredita nisso?) 


A beleza talentosa de Romy Schneider e a personalidade forte do ator Serge Reggiani também se sobressaem no documentário. Seja pelo talento que demonstram na arte de representar, seja pelas diferentes posturas que assumiram diante da complexidade que foi trabalhar sob a direção de Clouzot, um sujeito complicado por natureza.




O ciúme, explorado pelo inquieto cineasta, é um tema universal. Nas artes e na vida. Têm vezes que assume proporções patológicas, enquanto em outras ocasiões é apenas humano, demasiado humano. A abordagem proposta por Clouzot não é revolucionária e nem quebra nenhum paradigma. Mas expõe (estranho dizer isso, se o filme não foi concluído, mas o documentário dá conta do recado) uma obra autoral e forte. Daquelas que mexem com a cabeça da gente.
Não fica claro, ao final do documentário, porque “O inferno” de Clouzot não foi concluído. Nem precisava...




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