segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Viagens Inventadas

Assim que aprendi a ler comecei a arranjar encrenca com a biblioteca da minha casa. Autores como Cervantes, Vitor Hugo, Érico Veríssimo, Dostoiévski, Eça de Queiroz, José de Alencar e muitos outros estavam disponíveis nas prateleiras. Mas com sete, oito anos, essa turma que mencionei ainda não era bem pro meu bico. Mesmo assim, insistia com alguns. Os cinco volumes de Dom Quixote eram um eterno desafio. Livros grandes e com belos desenhos que eu adorava ver e tentava porque tentava de qualquer maneira ir lendo... Não conseguia progredir.

Então aconteceu que me caiu em mãos “Meu Pé de Laranja Lima”, de José Mauro de Vasconcelos. Viajei, me emocionei e chorei com o melodrama. Em seguida descobri Mark Twain e curti de montão. No rastro vieram uns doze volumes de Alexandre Dumas, a versão completa de “Os Três Mosqueteiros”. Quanta aventura. Eu odiava as partes em que o autor discorria sobre a história da França, mas lia tudo. O Cardeal de Richelieu era um personagem que me amedontrava um pouco, mas havia uma aura de mistério em torno dele.


Dom Quixote, dizem, o melhor livro do mundo
A partir dos dez anos, habituado com a leitura, escolhia por autores. A biblioteca de casa tinha obras completas de gente como José de Alencar, Érico Veríssimo, Vitor Hugo e um tal de Cronin (Archibald Joseph), escritor escocês do qual nunca mais ouvi falar.

Um guri com pouco mais de dez anos tão interessado por leitura, naqueles tempos (acho que até hoje) era coisa de se espantar. Lembro-me que alguns adultos visitavam meus pais e perguntavam se eu estava doente, quando me viam deitado lendo por muito tempo. Mas eu gostava da coisa. E fui me tornando seletivo, de uma maneira natural.

Já no início da adolescência comecei a encarar e adorar autores mais complexos como Dostoiévski e Eça de Queiroz. Confesso que li “O Crime do Padre Amaro” imbuído de uma certa esperança de que me esbaldaria com narrativas onde o sexo estaria sempre presente. As obras completas desses dois autores fui lendo mais vagarosamente, até meus vinte e poucos anos. E nesse período, de repente, a biblioteca de meus pais ficou pequena.

Conheci e aprendi a amar a poesia moderna, especialmente com Drummond e Manuel Bandeira e a poesia nunca mais saiu da minha vida. Em termos de literatura amadureci precocemente e abri meus horizontes, degustando autores como Clarice Lispector, Vargas Llosa, Cortazar, Borges, Flaubert, Joyce, Lautreamont, Ricardo Dicke, Machado,  Leminski e muitos outros. Essa ampliação do repertório tem me acompanhado até os dias atuais.


James Joyce



Mas no ano passado tive problemas. Três livros que comecei a ler, quando cheguei no finalzinho, brochei. Não tive vontade de encerrar a leitura. Encanei com isso, porque um livro você pega e o lê até o final, ainda mais considerando que já estou bem maduro e conheço e gosto de literatura. O que teria acontecido comigo, que não dei conta de ler autores interessantes como o mato-grossense José de Mesquita, Fabrício Carpinejar e o genial Mishima? Sei lá entende... Bom, se nem eu sei, acho que não é o leitor do Tyrannus que vai saber.

Mas em 2011, tudo leva a crer que recuperei minha performance literária. Graças a “Viagens Inventadas”, um livro de crônicas e quase contos, que acaba de sair, do Marinaldo Custódio, autor aqui do nosso pedaço que chega ao mercado com a corda toda. Li-o num final de semana, com gosto. São só 120 páginas, malemá. E agora estou lendo “50 Anos a Mil”, uma autobiografia do Lobão, cujo texto tem a participação do Claudio Tognolli. São só umas 600 páginas. À medida que vou lendo, cada vez mais, parece que vejo a cara do inquieto Lobão contando suas travessuras.

Espero que o hábito da leitura não me cause mais encanações. Ler é bom. Não tenho a menor dúvida de que toda a minha formação cultural e a habilidade com as palavras me chegaram, em grande parte, através do hábito da leitura. Portanto, ao contrário do que disse o ex-presidente Lula, leitura não é algo que serve apenas pra dar sono. Serve pra alimentar o sonho.  


De Pessoa para pessoa


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