sábado, 19 de fevereiro de 2011

Antonio Sodré, poeta necessário


O poeta da transmutação se mandou. Antonio Sodré, poeta visceral, de carteirinha. Sujeito pura poesia mesmo. Foi transmutar em outras paragens, que não aqui.

A notícia chegou por volta das dez da manhã de sábado. O celular tocou, será que atendo, ou não? Uma chamada apenas e aí para. Nos registros do aparelho, o número de um amigo e colega de trabalho que jamais me ligaria num sábado, normalmente. Tem dias em que a gente acorda pessimista. “Deu merda...”, penso. Ligo de volta e vem a resposta: “Loro, já tá sabendo... o Sodrezinho...” E fico a pensar na irreparável perda que significa a partida do Sodré. A primeira baixa do Caximir, banda/grupo que vi nascer.




Figura tradicional do velho Coxipó, das velhas noitadas, dos eventos culturais e artísticos. Mas não tem “point” que é mais Sodrezinho que a UFMT. Ali, na rampa do Instituto de Letras e Artes, acho que é isso, trabalhando naquilo que acreditava: venda e revenda de livros usados. O famoso “sebo” do Sodrezinho.

 

O “sebo” e a vida conspiraram para que ele se tornasse um leitor voraz, seletivo; e a escrever e compor versos originalíssimos. Vivia entre os livros e para eles. Sempre a versejar, inspirado que era. Sodré, certamente, estava entre os três artistas vivos mais expressivos da nossa arte literária. Essa é a minha opinião, a nossa opinião.

Sebo em Alto Araguaia (Foto Mário Friedlander)
Aplicava-nos, às vezes, com suas performances cantando e se deixando acompanhar pelos amigos músicos, em línguas imaginárias. Fazia isso com uma naturalidade surpreendente. Quando a galera se reunia e a cerveja já estava nas alturas, sempre era conclamado aos seus improvisos. Nunca mais... Isso é o tipo de coisa que dói. Sodré se mandou, mas sua poesia fica.

O poeta na Academia dos Mortais


Sodré em efervescência performática

Sua produção artística acho que não cabe só num empório, talvez numa feira... Sua origem nordestina tinha a ver com a ambiência popular e eclética.  “Ele deixou um varal de poesias lá em casa”, disse-me Pio Toledo, no velório. Enquanto Bia, a declamadora imbatível desta cidade, andava pelo velório com um papel manuscrito onde estavam os últimos versos do Sodrezinho. Ele, aliás, enfartou-se poetisando.
Nada a ver
Tô sem TV
Quem sente ciúmes não ama, possui

Paredes comuns têm ouvidos
mas as de vidro têm olhos

O sol surgiu depois da chuva
pra secar meu coração


Peguei o manuscrito com a Bia e pincei as pérolas acima. Tudo escrito numa sentada. Coisa de minutos. O que me espanta, me impressiona é o seu vigoroso poder de síntese. Em um único verso sua poesia se mostra completa. Assim também foi a sua convivência entre nós.  


O Poeta da "Poesia Necessária" (Foto Mário Friedlander)


8 comentários:

  1. Loro e Fatima!Infelizmente é mais uma tristeza que passo longe daí.Sodrezinho era um amigo do peito, da terra e da arte.Na minha passagem na UFMT ele foi um parceiro na construção do meu aprendizado.Vou sentir saudade!Mas tenho certeza que a força poética dele ficará presente nos seres que ainda conseguem viajar nas asas da imaginação.

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  2. O Soneto de partida dele realmente foi extraordinário como disse Luiz Renato já demonstrava certa transcendência as paredes de vidro com olhos.... é demais!

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  3. Me sinto honrada em ter feito parte do Poesia Necessária. Um poeta de sonhos, vidente evidente. Também escrevi em homenagem ao Sodré, essa figura que ma fazia rir com sua poética louca, desgrenhada, transgressora. Tá na página inicial do meu blog: http://luana-costta.blogspot.com/
    Sodré me ensinou muito na escrita e na leitura. Sou grata a ele. e falo isso não só porque devo um livro que comprei fiado, juro!...Abraço forte.

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  4. Entra na comunidade in memoriam

    http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=111609885

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  5. Como ele deixou a entender em suas últimas palavras, transmutou de vidro para cristal.
    Sentiremos falta do poeta da transmutação!
    Abraço musical,
    Estela.

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  6. uma bela homenagem a nosso grande poeta.

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  7. Amanhã será a missa de 7º dia do nosso poeta do IL/UFMT Sodré... quem diria que sua despedida no fim do ano... a última vez que arrumou todos os livros do seu sêbo, foi para sempre? deixará saudades... Impossível subir a rampa do Instituto de Linguagens da UFMT e imaginar aquele lugar sem o Sodré... o poeta da transmutação, com seus varais de poesias, dicas literárias... Sentiremos saudades! Pena que os próximos calouros não poderão ter a honra de estar em contato diário com o Sodrezinho...

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  8. Que lindo Loro...Bela homenagem ao grande poeta Sodré.

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