quinta-feira, 24 de março de 2011



Maria Ribeiro (no canto, à esquerda)  no Capote
Quarta-feira. Termino minhas funções editoriais no jornal e zarpo para a rua, doido pra chegar logo em casa. Uns quarenta minutos me separam do lar, doce lar. Não me incomodo, porque não vou perder esse tempo dentro do ônibus. Sempre encontro o que fazer, com quem conversar, no que reparar. Se o passeio está chato, saco da mochila meu nobre companheiro de viagem, “Confissões de uma máscara”, literatura porreta do célebre Yukio Mishima. No camelódromo aguardo o 103, no qual vou atravessar a cidade. A tarde ainda demora pra declinar e o coletivo não estará cheio, o que me traz felicidade.

Nem cinco minutos e ele chega. Adentro-me e antes de passar a roleta vislumbro a incrível figura de Maria Ribeiro, amiga de longa data, com a qual já compartilhei momentos culturais incríveis. Temos muitos amigos em comum e trabalhamos juntos na peça “O Capote”, uma adaptação livre de Gogol, encenada pelo Grupo de Risco, do qual fazíamos parte em 1988. Só essa peça, que eu a Fátima e o Chico Amorim encabeçamos a montagem, já daria um texto apaixonado aqui, mas ainda não vai ser desta vez.



Da esq. para a dir.: lorenzo, maurício, carlão, mauro e maria


Sigo conversando com Maria, lembrando dos velhos tempos e sempre rindo e um pouco com saudades. Aquela história: “tempo bão, não vorta mais”. Na altura do colégio São Gonçalo, percebo a entrada no ônibus de uma outra pessoa querida. Um amigo das novas gerações, Lauro Justino. Tampo o rosto e deixo Lauro passar sem me perceber. Ele vai para o fundo do ônibus com sua timidez. Com o rosto disfarçado com uma das mãos chamo-o, chamo-o... Ele me descobre, se aproxima e eu apresento-o pra Maria. “Que bom, falo comigo mesmo. Estou com duas pessoas adoráveis que conheci em épocas bem distintas de minha vida”. Não um conflito de gerações, um encontro delas. “Com estes dois, concluo meu monólogo interior, Mishima não vai ter chance”.  E seguimos conversando.

Lauro está esfuziante, feliz da vida. Finaliza os preparativos para um evento, o Touché (sábado, na Casa Fora do Eixo), que comemora um ano do blog http://www.chittabonita.com. Entre as parcerias do Lauro nesse blog está a Bianca, filha do Pop, arquiteto talentoso, que era meu vizinho com quem eu adorava conviver. Depois Pop se mudou, mas sempre tenho notícias dele, porque outro filho seu, o Lucas, é amigo do meu filho. É bom não perder em definitivo os laços com pessoas especiais.

Ramona "Liu Arruda", versão Lauro

O biquinho de Bianquinha

O ônibus chega à Avenida Fernando Correa. Percebo Maria se movimentando. “Vai descer aqui?”, pergunto. Ela concorda e diz que vai no aniversário do Clovito, um dos gigantes das nossas artes plásticas. Adoro os quadros do Clovis Hirigaray. São únicos e põem à prova um talento genial, para poucos. Me bate uma tristeza não sei de que nem porque. Essas coisas de arte, de velhas amizades e encontros fortuitos sempre me emocionam. Fico meio manteiga derretida. “Passe a manteiga”, diria Marlon, brandamente. Espero não ficar manteiga rançosa, muito menos margarina. Mando um abraço para Clovito e Maria desce.

Madona, de Clovito

Prossigo a viagem com Lauro conversando amenidades e lembrando os tempos que trabalhamos juntos na agência Barradas. Lauro vai visitar Lívia Camila. Cuiabá é um ovinho, ainda, apesar de seus 700 mil habitantes, pra mim, já que Lívia, de quem eu também gosto muito, é sobrinha de uma querida amiga dos meus tempos de universidade, a Conceição, ou Shiu, que hoje mora em Roraima.

O 103 chega na UFMT e Lauro vai descer. Pela janela, vejo um arco-íris rasgando o céu pós-chuva. Com uma certa malícia, lembro-o de que quem passar por debaixo do arco-íris, dizem, troca de sexo. Ele quase ri mostrando que conhece a história. Digo algo assim como “vai saber?”. Ele fica com uma cara que me faz lembrar uma fala da Maria Bethânia em um de seus antigos discos... “Era muito difícil, mas nada é impossível”.   

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