Um vazio... |
“Andar com fé eu vou...” Se locomover em Cuiabá é ouvir muitos “Ai, meu Deus ...”, muitas pragas e palavrões. Está quase que impraticável, seja ônibus, carro, moto, bicicleta e até a pé não tá mole, não. Mobilidade urbana não é uma característica desta cidade. Trafegar de transporte coletivo pela cidade fora dos horários de pico, ainda é razoável. Frise-se: fora dos horários de pico. Lógico que digo isso baseado em minha própria experiência, como morador do Recanto dos Pássaros. Tenho sorte, quatro ou cinco linhas passam pelo meu bairro, que é suburbano. E gosto de morar afastado do centro.
Da janela lateral |
Nos dias de semana nunca fico mais do que dez ou quinze minutos aguardando o buzu, que nunca pego em horários críticos. Já nos finais de semana e feriados... É outra história.
Nesta quarta-feira cinzenta, por exemplo, para chegar até o serviço, na Avenida Beira Rio, computei mais de meia hora no ponto. Já estava passando do ponto de querer matar, morrer de ódio, quebrar qualquer coisa. É assim, né, a Unic não tem aula, corta-se radicalmente uma das linhas, não interessa se outras pessoas dependem e utilizam essa linha. Nesse quesito, a nota para as empresas do setor e prefeitura...: zero.
Até a proxima parada |
Assim, quem não tem carro perde vertiginosamente sua capacidade de ir e vir. O bem estar da população não interessa mesmo aos empresários do setor, tampouco à prefeitura. Empresário, dizem, costuma gostar mesmo é de dinheiro, não de gente. E a prefeitura, bem, a prefeitura, sabe... é que ela, bem a prefeitura... Bom, deixa pra lá, apesar dessa situação ser de lascar.
Pela estrada a fora... |
Lá se vão uns cinco anos que optamos aqui em casa por não ter carro. A princípio, achei que ia sofrer muito. Qual nada, me adaptei rapidinho e os investimentos que um veículo demanda podem ser direcionados para muitas outras coisas que, às vezes, a gente nem repara, mas têm muito mais a ver com a nossa qualidade de vida. Viagens a passeio, investir na casa, numa alimentação mais sofisticada e outras cositas brindam-nos com prazeres e alegrias incalculáveis, que a gente vai desfrutando cotidianamente. Um carro, quer saber, me faz falta em algumas ocasiões, como por exemplo, nos finais de semana quando dá vontade de ir pra Chapada ou mesmo pegar um cineminha, o que significa depender do transporte público. Nem tudo é perfeito, meeesssmmooo.
Mas costumo dizer com orgulho: não temos carro, por opção. Neste ano até pensamos em comprar um e deixá-lo com nosso filho, que conseguiu entrar na UFMT. Mas o Vítor, que até estava querendo o carro, optou por uma viagem de seis meses pra Austrália, onde vai estudar inglês e experimentar outras experiências culturais. Acho que ele acertou na mosca. E sei que num futuro próximo vai entender que fez a escolha certa.
Quem nunca andou de ônibus, não sabe o que tá perdendo. Em primeiro lugar, não perde tempo e conforto, mas gasta muito mais com seu transporte individual... Quem anda de buzu presencia inúmeros os fatos que acontecem dentro de um coletivo. São oportunidades de curtir algumas paisagens urbanas e conviver rapidamente com pessoas incríveis, que opinam, brigam, se colocam, dormem, namoram. Pelo menos nesse espaço mínimo elas podem se manifestar e são ouvidas, às vezes aplaudidas, às vezes vaiadas. O coletivo é coletivo quase sempre nas atitudes. Tenho a paciência necessária para usar esse transporte. E mesmo as situações mais estapafúrdias, costumo encarar com um pouco de tolerância, e fica engraçado . Outro dia ouvi de uma menininha que indagava: “mãe como é que o ônibus sabe pra onde a gente vai?” O Reinaldo, nosso pedreiro, diz que no ônibus das cinco da matina é barra pesada, pudera diz ele, imagina empregada doméstica e pedreiro juntos...
Figurinha carimbada da paisagem urbana |
Nada a ver... |
Eu, só tenho um cartão, o Cartão de Transporte. Todas as vezes que ouço dizer cartão de transporte, um companheiro inseparável de meus documentos, me lembro do Émerson, colega e amigo, que trabalhou como motorista lá no Diário de Cuiabá. Um sujeito muito bem humorado. Humor, diga-se de passagem, não falta na redação daquele jornal. Vivemos duros, quebrados, devendo... e felizes.
Pois é, mas o Salada (o Émerson), certa vez foi levar um jornalista para uma pauta no aeroporto. Andando por lá, enquanto aguardava, Salada foi abordado por uma mocinha que vendia assinatura de revistas. Ele se sentiu importante e se achegou na “mina”, quando esta lhe pergunta: “O senhor quer fazer assinatura de alguma revista... Com qual cartão o senhor trabalha?” Salada nem pestanejou: “Com o CT”. A moça se espantou um pouco e quis saber. “Que cartão é esse?”. E ele sacou do bolso o cartão de transporte, CT, aquele mesmo que nos leva pra tudo quanto é lugar, mas que às vezes demora um pouco, porque o buzu atrasa, ou de vez em quando quebra. Então é isso, gente boa. Chegamos a mais um ponto final aqui no Tyrannus.
CT e eu |
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