Uma entrevista é sempre momento de troca. Um pergunta, outro responde. O entrevistador tenta e tem que conseguir puxar assunto, comportando-se de maneira a tornar interessante o conteúdo. O entrevistado também segue essa linha, naturalmente.
Nossa primeira incursão nessa história abordou um cidadão cuiabano de tchapa e cruz: Gabriel Novis Neves.
Dr. Gabriel (Foto: SECOMM-UFMT) |
Gabriel é uma pessoa de fácil acesso, atende como médico, cronista de mão cheia e é um blogueiro atuante (bar-do-bugre.blogspot.com). É figura conhecida da cuiabania, por ter sido o primeiro reitor da UFMT, pela esmerada educação e respeito pelas pessoas. Por isso é comum ouvir de contemporâneos que ele faz jus ao tratamento de “Magnífico”. É lembrado com carinho por suas pacientes e pelos milhares de cuiabaninhos e cuiabaninhas que, nas últimas décadas, foram amparados por suas mãos. Lembro-me bem da primeira greve na UFMT, em que ele, procurado para saber o que acontecia, disse: “não sei o que está acontecendo com meus meninos...”
T: Fale um pouquinho dos seus primeiros anos como papa-peixe, e também da sua infância. Quais são suas lembranças mais bonitas e saudosas?
Nasci em casa na Rua de Baixo (Galdino Pimentel), próximo a Praça da República em Cuiabá no dia 06-07-1935. Meus pais eram educadores natos com instrução primária. Olynhto Neves (Bugre) era dono de bar e Irene Novis - prendas domésticas. Sou o mais velho de nove irmãos, todos nascidos em casa. As lembranças que guardo da minha infância são lembranças simples e singelas, de todo menino do interior. A 1ª comunhão na Catedral, a temporada que morei com o meu avô, onde aprendi a jogar xadrez antes de ser alfabetizado, o 1º dia de aula na Escola Modelo Barão de Melgaço na Praça Ipiranga. Os passeios a cavalo com o meu avô e de ônibus aberto até o Porto com meus pais. Depois fui crescendo e descobrindo um mundo sem maldades e gostoso de viver. São tantas e boas recordações.
T: Na sua especialidade como médico, já deve ter ‘aparado’ muita gente. Você tem idéia de quantas pessoas ajudou vir ao mundo?
Até completar 10 mil partos eu contei, depois deixei para os estatísticos. A Medicina é uma profissão de difícil definição. O que me atrai é que a Medicina é uma arma de transformação social. Não confundir médico com técnico em doença. A Medicina é exercida por médico.
T: Gabriel conhecemos você desde quando era o Magnífico Reitor, nos anos 70, na UFMT. Hoje você está se tornando um dos principais articulistas da mídia moderna cuiabana. Daquele Gabriel de trinta e poucos anos passados, para o atual, mudou muita coisa?
Mudei e muito para continuar a ser o mesmo.
T: De lá pra cá, Cuiabá passou de 70 para 700 mil habitantes, malemá. Coisas boas e ruins aconteceram. Eu fico com a impressão que a cidade vai se tornando cada vez pior pra se viver. Você concorda?
A vida é um jogo em que você ganha e perde. O final vitorioso é o nosso objetivo, embora exista o empate que possui dois sabores: sabor vitória e sabor derrota. Não esquecer nunca do placar adverso que é a derrota. Cuiabá mais cresceu que desenvolveu. Como você diz de 70 para cá, crescemos 10 vezes, mas não desenvolvemos com esse mesmo “entusiasmo”. Quando notamos esse desequilíbrio o resultado é de desconforto. É o “pior pra se viver” concordando com você.
T: Essa história de escrever para jornais e internet, de compartilhar suas idéias e ideais, deve estar mexendo contigo. Mas você tem se mostrado um sujeito que não faz muita cerimônia quando quer dizer algo. A gente sabe que quem fala o que quer, ouve o que não quer. Como você transa esse lance?
“Quem fala o que quer, ouve o que não quer” é um dos mandamentos básicos da sabedoria popular. A palavra escrita tem um peso maior que a falada. Às vezes escrevo um texto com um objetivo e a interpretação é outra. Na comunicação oral as mesmas palavras têm outro peso. Dificilmente cito nomes ou pessoas nos meus artigos. Tem é muita gente vestindo a carapuça por aí, como dizia a minha mãe. Recentemente escrevi um pequeno artigo e dei o título de Tiririca. Foi o artigo mais comentado em site. Claro, levei porradas de todos os lados. O meu objetivo era chamar a atenção para o crônico problema do analfabetismo que domina há séculos este país. Muitos me censuraram dizendo que seria melhor se eu escrevesse sobre “Analfabetismo”. Com o que aprendi, seria um artigo que o leitor iria ler o título e passar, tão desiludido com o fracasso institucional nesse assunto. Tiririca me possibilitou a falar sério sobre educação.
T: E nossa classe política que está hoje ‘por cima’. Ela precisa melhorar? Em que sentido? Que nota você daria ao conjunto dos nossos políticos (MT)?
A classe política que está por cima é a cara do brasileiro. Temos que investir mais na genética da nossa população com permanentes ações de políticas públicas, para melhorar a cara dos políticos. A nota que daria aos nossos políticos é a mesma nota que dou aos investimentos sociais nesta nação: insuficiente.
T: Não quero puxar sua língua para falar mal deste ou daquele político. Mas você bem que poderia mencionar alguns, nos quais você deposita alguma confiança.
Se você me puxar a minha língua, com facilidade examinará a minha garganta... Confiança você não deposita - adquire. Darei créditos aos que investirem no social e no respeito à ética. Zero a falação dos faladores.
T: Você pode, quer, deve ou não declarar seus votos aqui nesta entrevista?
Após as eleições falar em quem votou não pega. Pertencemos à cultura da lei do Gerson. Hoje todos votaram nos vencedores. Vou responder a sua pergunta dizendo que acertei apenas 2 números na loteria das eleições.
T: Uma vez você se ‘manifestou’ como político, pleiteando um cargo eletivo. E para o futuro... Você emprestaria um antigo slogan do Carlos Bezerra, tipo ‘o passado nunca mais’, ou será que ainda pode rolar uma candidatura?
Fui “manifestado” como político em duas eleições majoritárias. Perdi uma ganhei outra. Foi um curso de curta duração - 3 anos, onde aprendi muito. Não me arrependo como não me arrependo de tantas experiências que me apresentaram durante esta caminhada que pretendo ser longa... Imitando o palhaço Didi, política partidária para mim - passou, passou, passou!
T: Da política para a cultura. O que você mais tem apreciado, ultimamente, entre as manifestações da cultura regional?
O retorno com qualidade de tudo que foi plantado - banda, coral, quarteto de corda, escola de samba, orquestra sinfônica, museus, teatro, atelier livre, cine clube, zoológico e a maturidade em entender que para se chegar ao universal, o caminho mais rápido e certo é a valorização e aceitação do regional. Noto que esse momento chegou. Existe hoje em Cuiabá um terreno fértil para manifestações de todo o tipo de cultura regional. Essa bandeira foi hasteada em 1971 quando a esperada Universidade Federal foi batizada de Universidade da Selva. Estava aberta a porteira para a exaltação da cultura regional.
T: Quais obras e autores nas artes, em geral, você diria que influenciaram seu padrão estético e sua forma de encarar o mundo?
Vivo intensamente o presente, procuro sempre caminhar sabendo que para chegar ao futuro não existe caminho e o caminho se faz caminhando. Nunca, porém me esqueço do passado, fonte inesgotável de lições para evitar equívocos. Não sou um erudito nem possuidor de uma estética ou cultura acadêmica disciplinada. Fui influenciado por autores aceitos e não aceitos, sábios e a sabedoria não é propriedade de classe social. A minha paixão sempre foi para o óbvio ululante do Nelson Rodrigues. A minha forma de encarar o mundo é a forma de quem foi educado para a vida.
T: Como você avalia isso que acontece em Mato Grosso, que é a mistura da cultura regional centenária, cristalizada, com as coisas novas que chegam com essa população que veio e ainda vem do Sul do Brasil pra cá?
O que abunda não prejudica é um velho ditado popular. A cultura nossa é pré-colombiana, acrescida da africana, européia e agora com brasileiros de outras regiões de um país da mesma origem. Essa mistura que chamo de encontro - acrescenta. Não prejudica e o resultado é cultura que sempre foi universal.
Nem tão Tyrannus, nem tão pouco Melancholicus.
ResponderExcluirParabéns ao Siriri pela primeira de muitas e ao entrevistado pelas muitas de primeira!