quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Unabomber do cerrado


“Eu não posso passar contrariedade.” Costumo dizer quase que diariamente. Meio em tom de brincadeira, meio sério. Em horas próprias, noutras nem tanto. Me descobri hipertenso há uns 15 anos e uma avaliação clínica do cardiologista que procurei naqueles tempos recomendou que eu me afastasse desses conflitos cotidianos, discussões, celeumas etc, que acontecem em nossas vidas, de uma hora para outra, em qualquer lugar. Com base nisso, vinha ‘tenteando’ minha hipertensão, monitorando a pressão que se mantinha em níveis normais. Até chegar o finalzinho de 2010, quando passei por um desconforto financeiro.


“Dizem que uma das partes mais sensíveis do nosso corpo é o bolso”, orientou-me a médica que procurei, movido por aquele sentimento de investir na saúde, que acomete a gente num início de ano. Minha pressão estava um pouquinho acima do desejado e ninguém garante que isso nada tem a ver com questões financeiras pessoais.


Então, nesta quinta (20), comecei uma bateria de exames solicitados. Comecei pelo mais inusitado, já que aprecio novas experiências. Uma espécie de mapeamento que monitora a pressão da gente. Uma bateria na cintura e uma faixa no antebraço, que nem aquela de capitão do time. De trinta em trinta minutos, ou sei lá com qual frequência, a faixa aperta o nosso membro (não confundir com outro membro), de uma forma que parece que quer esmagar. E a gente fica assim durante 24 horas. Depois volta ao local de origem, onde nos foi colocado o artefato, para retirá-lo. E tem um relatório a ser feito explicando como foi nosso dia com a geringonça. Como sou bom para escrever, espero arrasar nesse relatório. Se ficar bom e a médica aprovar, talvez até o publique aqui no blog.

Unabomber caipira: Exprode coração

“Pelo menos, a gente não precisa tomar banho”, disse à enfermeira que me paramentou. Ela explicou para eu manter a minha rotina diária. “Mas como, já precisei acordar seis e meia da manhã pra vir aqui... Estraçalhei minha rotina”, argumentei. Bom, então tratei de manter a rotina... Uma cervejinha, alguns poucos cigarros a partir da tarde caindo, escrever aqui no Tyrannus... O de sempre. Ah, e teve jogo de futebol pela televisão, o meu Fluzão contra o poderoso Bangu, estreia no campeonato carioca. O futebol mexe comigo, mas a emoção nem foi tanta assim.


Voltemos no tempo. Antes de colocar o equipamento, enquanto esperava numa salinha, conversei com um senhor que também aguardava atendimento. Falamos sobre a barreira dos 50 anos, quando o corpo começa a fraquejar pra valer. Lembrei de um amigo que disse certa vez: “O tempo é uma fábrica de monstros”. Rimos um pouco dessa realidade cruel. Um outro senhor, que chegou durante a conversação, um pouco mais avançado no tempo, disse: “Às vezes, tenho até vergonha de dizer que sou homem...”, olhei-o indagativo. “Não estou prestando mais pra nada”, concluiu.


Fiquei um pouco entristecido, pois me faltou uma frase de apoio mais contundente ao meu interlocutor. Tratei de não dar nenhum suspiro. Ele prosseguiu dizendo-se papa-banana, da terra de mamãe, e apresentou-se como um homem do campo, daqueles que labuta fisicamente. Expliquei-lhe que eu fazia o gênero mais preguiçoso e, como jornalista, escrevinhador, poderia até levar uma máquina de escrever (coisa mais apropriada para os antigos) pra cova. Aí chegou minha vez de me iniciar no tal holter/mapa.
E cá estou eu, digitando o finalzinho deste texto, esperando mais um apito do aparelho, avisando que meu antebraço esquerdo será esmagado mais uma vez...  

Detalhe tela de Clovis Irigaray
O amor bate na porta
O amor bate na aorta,
Fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
O amor ronca na horta
Entre pés de laranjeira
Entre uvas meio verdes
E desejos já maduros.

(Drummond, “O Amor bate na aorta”)

Um comentário:

  1. tá linda e fatal de unabomber do cerrado. ah, também já usei esse pagodinho. e por 48 horas. nas 24 iniciais a leitura dos dados não deu certo. quer dizer, serviu pra escrever um conto. boa sorte, bigode.

    ResponderExcluir