"Esse minino tá com dordóio. O oio dele tá remelano e aqui em casa tem um colírio bom que chama lavoio e vo pinga na vista dele. Se num miorá amanhã vo no doutor Chiconeli". Provável conversa telefônica entre duas senhoras cuiabanas, nos tempos em que o telefone era aquele aparelho pretão e pesado.
Aqui em casa óculos são nossos companheiros desde a adolescência. Óculos de grau. Nesta altura dos acontecimentos, sem eles, fica difícil, por exemplo, ler um cardápio. Durante as férias fomos ao teatro e em seguida esticamos para um restaurante espanhol. Ambos sem óculos. Na hora de escolher (e ver os preços)dos petiscos e bebida... "Garçom, por favor, nos ajude". Não foi um vexame. Só um pequeno mico.
"Eu não nasci de óculos, eu não era assim" |
Passeando pelas ruas de Cuiabá, há muitos anos, com minha irmã e minha prima, ambas míopes, brinquei com elas. Mostrei do outro lado da rua, numa loja, uma manequim devidamente enfatiotada e disse que era uma amiga que nos acenava. As duas ficaram alguns segundos espremendo seus olhos e tentando firmar a vista pra ver se reconheciam de quem se tratava.
Mr. Glauco Mattoso |
Quatro olho, fundo de garrafa, cegueta, Mister Magoo... Alguns apelidos que perseguem aqueles que usam óculos. Pedro José Ferreira da Silva, poeta e escritor brasileiro, entretanto, usou de forma criativa o glaucoma que o perseguiu até perder por completo a visão nos anos 90. Seu nome artístico é Glauco Mattoso. Ganhou um prêmio Jabuti, junto com o professor da Usp, Jorge Schwartz, pela tradução que fizeram de obra de Jorge Luiz Borges, o mais laureado escritor argentino. Detalhe: Borges era cego.
Borges: o escritor dos seres imaginários |
Não sei de nenhum artista plástico cego. Na música, a falta da visão não foi problema pra gente como Ray Charles e Stevie Wonder. O americano Dave Brubeck, célebre jazzista, tinha mais de 10 graus de miopia mas sua performance como compositor e intérprete sempre foi incrível. Valia-se da sua notável memória musical. Quando fez faculdade de música, quase foi expulso, ao descobrirem que ele não sabia ler partituras.
Brubeck e seu inseparável fundo de garrafa |
Alicia Alonso: Dançando no escuro |
No Brasil existe um grupo de dança exclusivo para bailarinas cegas. É a Associação Fernanda Bianchini. Só que para bailar, sem a visão, é muito complicado, já que os movimentos da dança se baseiam muito na imitação dos movimentos. A cubana Alicia Alonso, bailarina e coreógrafa, perseguida por inúmeros problemas com a visão, mesmo com mais de 80 anos (ela nasceu em 1920), dirige o renomado Balé Nacional de Cuba. Ela é uma das principais artistas do século XX.
Fernando Pessoa não era cego. Tinha mais de dez graus de miopia, mas insistia em usar aqueles pequenos e conhecidos óculos (sua marca registrada) que eram adequados para quem tinha apenas uns três graus. Pura vaidade!! As lentes fundo de garrafa o deixavam com os olhinhos muito pequeninos.
"O homem é do tamanho de seu sonho" |
Nós, todos nós, gostamos e precisamos ver com bons olhos. A beleza é um colírio para nossos olhos. Coisas feias, violentas, incomodam. São como cisco a estorvar-nos a visão. Olho no olho. Olho vivo. Veja bem meu bem, olhos nos olhos...
Quando a vista cansa, não dá pra esconder. Pra conseguir enxergar e ler o jeito é ficar como um tocador de trombone de vara: um vai e vem até achar a distância ideal. De repente parece que o "braço encurta"! Não adianta colocar a culpa no tamanho das letras. A terceira ou a melhor idade tá perto!!!!! Procure um oftalmologista. O resultado, certamente, será sua entrada para o grupo dos quatro olhos. Se não for o primeiro par de óculos, será mais um! Ou então junta tudo num multifocal e olhos para frente.
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