Em meados dos anos 80, conhecemos
Arrigo Barnabé com seu instigante e intrigante “Clara Crocodilo”, uma ópera
moderna que narra a fuga de um marginal que passa a afligir a população de uma “cidade oculta”. As
noitadas no bar/gueto “Quase 84” ferviam com o cojunto das vozes destoantes de Arrigo,
Tetê Espíndola e Vânia Bastos, regado ao “Sabor de Veneno”. Algum tempo depois, circulando
por Copacabana, procuramos por um LP de Arrigo Barnabé. Um atendente ao ouvir o
que queríamos, lascou: “É por acaso uma dupla caipira?” Arrigo não era muito
conhecido naqueles tempos e nem hoje se pode dizer que é um artista popular.
É difícil rotular a obra de
Arrigo. Gostar de sua musicalidade é outra coisa. Erudito? Popular?
Contemporâneo? Dodecafônico? Sei lá. Arrigo é tudo ao mesmo tempo. Um
artista raro e genial que sorve de inúmeras fontes e tem uma produção muito
original. Vanguarda. Qualquer um
percebe que sua sonoridade é muito diferente e incomum. Clara Crocodilo, Tubarões
Voadores, Arrigo & Paulo Braga são os trabalhos que aplaudimos e babamos quando
escutamos. Seu piano sofisticado e estranho, sua voz gutural e o modo teatral
de cantar e interpretar seus elaborados versos são sempre bem vindos.
Fecham-se as cortinas.
“Você sabe o que é ter um
amor, meu senhor?” Pode ser que não se lembre da música inteira, do nome do
compositor... mas certamente já ouviu “nervos de aço”. Lupicínio Rodrigues, sujeito
de voz mansa pra falar e cantar. Gaúcho, gremista, que saiu uma única vez na
vida de Porto Alegre. Lupe, como era conhecido, foi bedel da UFRS, dono de
bares, churrascarias. A boemia foi sua inspiração/maldição causadora de suas dores de
amor, a base para criar o gênero de música conhecido como “dor de cotovelo”.
O que há de comum entre
Arrigo Barnabé e Lupicínio Rodrigues, além dos nomes esquisitos? Os versos de Lupe
falam de traição, desilusão, abandono, resignação, mas são ternos, na sua voz. Na
interpretação de Arrigo eles ganham força, rancor, dramaticidade.
No último final de semana,
seguro no comando do controle remoto, zapeando de bobeira, surge de repente na
telinha a imensa cara de Arrigo (quase uma máscara) e... paramos. É “Arrigo Barnabé
em Caixa de Ódio – o Universo de Lupicínio Rodrigues”, acompanhado por Paulo
Braga no piano e Sérgio Espíndola no violão e baixolão, uma co-produção do
Canal Brasil e do Nagoma Produções (ai tem o dedo do nobre André Sadi). Isso
mesmo: Arrigo cantando Lupe, o rei da dor de cotovelo. Imediatamente, acionamos
a tecla “rec”, porque Arrigo é coisa pra se ter com carinho em qualquer bolicho
cultural-doméstico, gente boa.
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