sexta-feira, 24 de junho de 2011

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Um diamante encontrado em algum garimpo na região da Guia é o ponto de partida para esta ficção de Ricardo Guilherme Dicke, “Os Semelhantes”, que acaba de chegar. Escrito nos anos setenta, quando o autor ainda estava em sua fase inicial, esta novela com 180 páginas, editada pela Carlini & Caniato, apresenta o escritor mato-grossense em sua fase inicial, quando seu texto se primava muito mais pela ação vertiginosa e quase sempre ambientado no meio rural, retratando as gentes desta região e a mítica relação entre elas e o meio onde vivem. Entre os leitores de Dicke, a maior parte costuma se sentir mais à vontade com as obras dessa época. De fato são livros como os seus primeiros, e mais premiados, “Deus de Caim”, “Caieira” e “Madona dos Páramos”; providos de uma leitura que flui de maneira mais ágil, embora também já impregnados pela metafísica que, à medida em que os anos passavam, enfronhou-se mais e mais nessa pegada filosófica.

Marçal Aquino, escritor e roteirista de cinema, TV e teatro, por exemplo, em texto que fez para a reedição de “Deus de Caim” (1968) ano passado, desmanchou-se em elogios ao livro, mas nesse mesmo texto sugeriu que “O Salário dos Poetas” seria uma prosa impenetrável.


Em “Os Semelhantes”, quatro personagens centrais se alternam como narradores, ao contar uma história cheia de sofrimentos e resignações, porque é assim que tem sido a história da própria humanidade desde que o mundo é mundo. Abre-se uma porta com tramela mais simplificada para se adentrar nas letras torrenciais do autor. Impossível não se envolver, mas dificílimo tomar partido por este ou aquele personagem, dado o carinho e a isenção com o qual são tratadas pelo autor, as criaturas que criou. O maniqueísmo barato e vulgar estão a milhões de quilômetros do estilo ‘dickiano’. Isso parece cheirar a um certo respeito ou consideração para com o leitor, estranhamente, já que o escritor não costuma fazer concessões a quem o lê. Simplesmente escreve suas histórias do jeito que bem entende.  

Filho de garimpeiro, morou e andou por várias regiões de Mato Grosso, Ricardo se mostra muito a vontade, como em todas as suas obras, para falar da morfologia e da paisagem mato-grossenses. Dotado de um poder de observação espetacular, consegue registrar e superlativar os significados que a natureza (o rio, as serras, os vegetais), seus habitantes (o pássaro e seu canto onomatopaico) e o próprio universo (a lua a fazer caretas e Deus, onipresença em sua obra) imprimem às pessoas mais simples e aparentemente desprovidas de cultura.

Dicke e Adélia
Lembro-me de certa vez, ter indagado sobre como essa gente distante do acesso cultural e das lides doutoras, que costuma identificar a maioria de seus personagens, poderia contracenar com a erudição voraz que sempre aflora em seus livros. Ele esboçou um leve sorriso e respondeu perguntando se eu achava que toda a cultura do mundo emanava apenas dos livros e de ambientes doutos. Arrematou dizendo ter conhecido na sua infância um coveiro portador de uma invejável sabedoria. Um livro como “Os Semelhantes”, pois, desnuda o autor que viveu entre essas pessoas rudes, assuntando-as, e que também mergulhou nessa coisarada toda de Goethe, Cervantes, Baudelaire etc etc...


Pauta apaixonante
Fica uma vontade imensa do resenhista de escrever mais e de provocar a curiosidade do leitor, para que este experimente a obra recém lançada de Ricardo Dicke. Fica a vontade de contar a história toda de “Os Semelhantes”, mas isso não seria de bom tom, porque muita gente não gosta de ouvir de outrem o final da coisa. Prefere saber pelas suas próprias retinas. E eu também não poderia contar o final mais finalzinho da história, porque ainda nem cheguei lá. Me faltam vinte páginas, que estou economizando e lendo bem devagarzinho. Que pena ter que terminar o livro. Então, termino a resenha primeiro.

Um comentário:

  1. Meu amigo Tirannus Falchonideus, adorei a resenha. A coleção toda do Dicke está magnifíca. Leia os outros. Grande abraço, ramon carlini

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