domingo, 23 de outubro de 2011

A vida secreta das palavras

Procura-se um filme perfeito. Perfeito, segundo a opinião deste blog. De vez em quando acontece, ou bate na trave. E aí é um grande prazer reportar aqui. “A vida secreta das palavras” (Espanha, 2005) é uma obra já feliz no próprio título. Cheio de gratas surpresas, daqueles em que a emoção brota à flor da pele.

Nós aqui do interiorzão brasileiro estamos distantes do mar e o visual de uma plataforma de petróleo não nos parece um ponto de vista comum. Aquela coisa ilhada na imensidão do mar. Um corpo estranho oceânico. O mar, quando quebra na praia, é bonito... é bonito. Mas, como seria quando quebra numa plataforma?

Dizem que esse povo que trabalha nas plataformas ganha super bem. Deve ser mesmo. As pessoas ficam ali experimentando uma estranha solidão, sei lá quanto tempo. Isso deve mexer com a cabeça delas. E é nesse ambiente que acontece a história de “A vida secreta das palavras”, para onde se muda a personagem central, uma fria e misteriosa enfermeira. Lá ela vai cuidar de um sujeito que foi vitimado num acidente e teve graves queimaduras.

A diretora Isabel Coixet, que também escreveu o roteiro, explora com incrível habilidade este drama pesado com personagens fortes, num trabalho de elenco maravilhoso. Toda a tal da carpintaria cinematográfica é brilhante. A relação que se desenvolve entre a enfermeira e seu paciente, filmada com esmero, é uma dessas coisas transformadoras às quais a boa arte nos submete. Tim Robbins e Sarah Polley estão impecáveis como o casal protagonista.

O filme tem o seu ritmo necessário, não deixando nunca o interesse do espectador cair. Vale-se para isso, claro, da sobriedade da fotografia e de uma trilha sonora de muita sensibilidade, onde estão músicos como Antony e Tom Waits. Percebe-se que as músicas, ao longo do filme, surgem de forma espontânea, dando um clima especial às cenas.


A literatura é praticamente uma personagem de “A vida...”. O romance do século XVII, “Cartas Portuguesas”, que surge e ressurge ao longo do filme, na cabeça do personagem de Robbins, é o pivô de uma situação amorosa desconfortável que o envolve. O livro citado registra um amor, aparentemente, não consumado, mas que deu muito pano pra manga e rendeu muitas cartas.


“De si nada mais quero. Sou uma doida, passo o tempo a dizer a mesma coisa. É preciso deixá-lo e não pensar mais em si. Creio mesmo que não voltarei a escrever-lhe. Que obrigação tenho eu de lhe dar conta de todos os meus sentimentos?”. (trecho de Cartas Portuguesas)
E o amor costuma produzir filmes que valem a pena, como este, “A vida secreta das palavras”. Nos deixou meio emudecidos, engolindo em seco. Sempre ouvi dizer que uma sensação que nos faz apreciar um filme, música ou livro, é o ‘estranhamento’. Neste filme, particularmente, não houve estranhamento. Sobrou encantamento. Por favor, assistam!!!   
“Não devemos dar certos livros de presente a alguém
 que passa muito tempo só”...

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