quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Danos imorais

Ele me olhou com uma cara de poucos amigos e respondeu: “Sou autoridade, não dou entrevista”, e foi descendo a ladeira na Praça Alencastro. Eu era só um jornalista que trabalhava para uma emissora de televisão, “enqueteando”’ algum assunto da hora nos anos 80. Mais um sapo engolido na minha coleção. Não sei bem que “autoridade” ele era, se juiz, vereador, doutor ou coisa que o valha. Ficou uma raivinha, que guardo até hoje, mas não ao ponto de gerar câncer ou infarto. Coisas do passado.

Passado rememorado por um motivo justo. Entre os sites que merecem a nossa atenção está o Congresso em Foco. Jornalistas especiais, escritores e intelectuais discorrem ali livremente sobre temas emergentes num nível bem acima da média. Se pensar já é difícil, imagina entender as coisas. Mas, o site citado publicou um texto a respeito de funcionários públicos privilegiados em Brasília. O suficiente para receber uma avalanche de ações na Justiça. Os denunciados por causa dos generosos (acima do teto legal) proventos se sentiram incomodados e no direito de acionar judicialmente o site, por leviandade(?).


A notícia mais recente sobre esse episódio menciona a decisão judicial de rejeitar um pedido de indenização que os altos funcionários do Senado moveram contra o Congresso em Foco, por divulgar nominalmente os envolvidos e os seus respectivos salários. Uma das marajás disse que se sentiu constrangida e que sua privacidade sofreu um golpe invasivo (...ui...). Também, né!? Onde já se viu tornar público um fato dessa natureza? Pra quê? Muita obviedade em tão poucas perguntas. O sábio juiz sugeriu que os 44 processos deveriam ser aglutinados em um só e rejeitados em bloco (até 19/02 essa decisão não tinha acontecido).


A indenização pedida para aplacar a ira e para recompor a imagem e a idoneidade desses senhores e senhoras, que se sentiram lesados e fragilizados pela exposição pública, foi orçada em mais de 1 milhão de reais. Se acontecer uma reviravolta e os servidores ganharem a causa, o site em questão, fatalmente, sucumbirá por ter divulgado uma informação que partiu do próprio Tribunal de Contas da União. Não queremos acreditar nessa possibilidade.




Essa notícia entrou por um ouvido (ou por um olho) e não saiu pelo outro. Ficou encalacrada, aprisionada em nossas mentes, e aí o remédio foi botar pra fora. Casos semelhantes acontecem por aí, no Brasil e no mundo. Muitos profissionais foram obrigados a se afastar do seu trabalho, de suas famílias e do convívio social ou tiveram que se calar, por força da força mesmo ou de processos jurídicos. Houve tempos que a verdade era muito “maquiada”, mas parece-nos que esses tempos estão ficando cada vez mais distantes.


Cena montada: suicídio de Vladimir Herzog

Lembramos da triste sorte do jornalista Paulo Francis, cuja saúde não aguentou a barra que foi uma ação movida contra ele, por diretores da Petrobras. O jornalista denunciou e não tinha como provar, nada. Mas, falou! Francis saiu de cena em 1977 e nunca mais a sociedade brasileira foi abalada pelo seu humor ranzinza: "Não vi e não gostei".

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