Lá em terras d'além mar, em 2010, reencontramos um amigo de longa data que hoje mora em Cais Cais, pertinho de Lisboa. Foi a última vez que tivemos uma conversa “tête-à-tête”, onde relembramos de fatos e de pessoas queridas e não-muito queridas, falamos dos nossos projetos e trocamos informações. Nossas longas conversas com Maurício Leite sempre foram assim desde que esbarramos com ele pela primeira vez nos idos anos 80, aqui em Cuiabá. O interesse pelas artes, especialmente, o teatro, nos aproximou.
O Mauricio tem uma sorte danada em encontrar casas maravilhosas e fazer delas um lugar aconchegante. E um dedo verde poderoso (descuidadamente enfia um galhozinho seco na terra e em alguns dias, asseguro-lhe, é uma planta linda e viçosa). Como ele morava sozinho (um luxo na época), sua casa vivia cheia de novidades cênicas, brinquedos de crianças, livros infantis e seu talento para contar causos. Palco de feitiço coletivo que virou um reduto criativo. E anárquico.
Com eles encenamos “O pequeno Curumim”, peça infantil de teatro de bonecos. Uma turma grande de pretensos bonequeiros, assistidos pelo Mauricio e Carlão (o dos Bonecos). Sucesso de público e crítica. De sua casa saíram performances diretas para o Salão Jovem Arte Matogrossense, pra bagunçar as estruturas. Com ele montamos e produzimos a peça “O Capote”, de Gogol (com adaptação livre nossa e direção de Chico Amorim). Mauricio interpretava o personagem principal, Akaki Akakievitch. Outro sucesso público e crítica. Mas, como as uvas estavam verdes para algumas mentes do teatro local nos anos 80, o projeto vanguardista de O Capote, foi relativamente melado.
Cena de "O Capote" |
Atores |
Enquanto curtíamos a vida e aprontávamos das nossas, Maurício viajava pelo interior de MT, onde passava longas temporadas. Trabalhou com a Aldeia de Tapirapé, no município de Cascalheira (que na época tinha um prefeito que foi “bonequeiro”, ou melhor, fez teatro de bonecos). E nessa região ele começou a formatar melhor o trabalho que fazia há muito tempo: a divulgação da literatura infanto-juvenil, acompanhada pela capacitação de jovens para a produção artesanal de brinquedos populares, com talos de folhas de buriti (secas).
Trabalho em buriti |
Com o tempo passando ele viu que dava pra ampliar seus horizontes e partiu para outras bandas. Debandou pelo mundo, numa trajetória intercontinental... Na bagagem, levando sempre um volume especial. A mala, a mala de leitura, a mesma que ainda viaja por esse mundão... Azul da cor do mar, ou do céu...
No último domingo aguardamos a reportagem anunciada sobre ele e seu trabalho. Que surpresa, que matéria bem feita, com requintes de produção e edição, com méritos. E ocupou lugar de destaque: na abertura do Fantástico. Enquanto assistíamos, pequenos comentários que não estorvam quem assiste, surgiram.
Ele nos apresentou Sylvia Orthof |
Nos lembramos, que Maurício começou esse projeto de expansão literária aqui, que trabalhou muito, enfrentando todo tipo de dificuldades. Que foi reconhecido por agências internacionais que apoiaram a continuidade do trabalho, mas que esta terra que é o seu berço (afinal, Três Lagoas, quando ele nasceu, era MT) nunca reconheceu e lhe deu apoio. Quem atua no setor cultural por aqui sabe muito bem o que é fazer cultura neste pedaço. Na literatura infantil tem uma história que cabe bem pra cultura mato-grossense: o patinho feio.
Nossas conversas hoje se resumem a telefonemas, emails, facebook, skypes da vida... Mas, quando há sintonia, não há tempo e distâncias que não vencemos para continuar as longas conversas.
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