Já houve um tempo em que as palavras chulas eram menos aceitas e as sociedades mais moralistas. Tudo bem, falsamente moralistas. Esse tempo passou, embora, no entendimento de muita gente, o palavrão não é coisa pra sair se dizendo a torto e a direita qualquer hora em qualquer lugar. É por que um puta que pariu, por exemplo, precisa surgir da espontaneidade. Um desabafo incontido. Sim. Mesmo os palavrões, jamais podem ser banalizados. É preciso usá-los parcimoniosamente.
Entre os meus pecados da infância está o de ter dito uma palavra nada bonita, dentro da igreja, justamente no dia em que estava fazendo minha primeira comunhão. Ainda bem que o padre mesmo não ouviu. Mas levei, isso sim, um puta esporro de um menino um pouco mais velho que tinha vocação pra coroinha. Tive que engolir a bronca do garoto e logo em seguida a hóstia. E como criança em tenra idade é bicho meio besta mesmo, ainda fiquei uns dias paranoiado achando que a ira celestial cairia sobre minha cabeça.
Bukowski, boca suja |
Esporte também é ambiente onde rola a chulice. Futebol, nem se fala! De uns anos pra cá, a televisão adotou a leitura labial pra decifrar o que os protagonistas dizem durante os momentos mais acalorados de uma disputa. Especialistas são acionados para decifrar o movimento dos lábios e traduzir para o público. Mas, engraçado é que quando um palavrão é dito, normalmente, o especialista é dispensável. É que essa grande palavra é dita solenemente sílaba por sílaba, bem redondinha, e pra facilitar ainda é acompanhada por expressão e gestos únicos.
“enquanto durar a vida merde merdre qui tout s´ emmerdera
etternellement shit forever scheize immarheit mierda merde Merdre colme a
affirmé em Clair ET absolu bon ton Monsieur Jarry pois Heráclito de Éfeso
não morreu num monte de merda?...” (Ricardo
Dicke em Cerimônias do Sertão)
E vamos falar a verdade: o palavrão já conquistou o seu lugar nas sociedades. Digam o que quiserem, esperneiem, falem mal, esbravejem, saiam pra porrada e o caralho a quatro: mas eles, os palavrões, são culturais!
Hermes e Renato: du caralho... meu! |
Queridos leitores deste blog que de tudo fala ou não. Pense bem. Você que é chegado neste espaço de nome alado, emparentado do pica pau, rolinha, cagasebo, joão pinto...; você que nos lê e sempre retorna, que tem se mostrado cordial e tolerante para com as nossas conversas, diga a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade: seria possível, nos dias de hoje, viver sem o palavrão em nosso vocabulário????
A
puta
Quero conhecer a puta.
A puta da cidade. A única.
A fornecedora.
Na Rua de Baixo
onde é proibido passar.
Onde o ar é vidro ardendo
e labaredas torram a língua
de quem disser: Eu quero
a puta
quero a puta quero a puta.
Ela arreganha dentes largos
de longe. Na mata do cabelo
se abre toda, chupante
boca de mina amanteigada
quente. A puta quente.
É
preciso crescer
esta noite a noite inteira sem parar
de crescer e querer
a puta que não sabe
o gosto do desejo do menino
o gosto do menino
que nem o menino
sabe, e quer saber, querendo a puta.
esta noite a noite inteira sem parar
de crescer e querer
a puta que não sabe
o gosto do desejo do menino
o gosto do menino
que nem o menino
sabe, e quer saber, querendo a puta.
(Carlos Drummond de Andrade)
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