Hoje de manhã pintou a conversa: Não sei viver sem marcador de livro... Pois eu não ligo, uso a orelha do livro. Não chegou a ser motivo de briga, embora depois de tanto tempo vivendo juntos, qualquer coisinha que o outro diz e que entra meio de atravessado nas ‘oreia’ da gente pode resultar numa briga.
Orelha de livro é um negócio muito antigo, desnecessário, antiecológico. O que se escreve na orelha dá muito bem pra escrever na contracapa, é isso? É o argumento da Fátima. Eu já sou diferente e sinto falta de orelhas nos livros. Me lembrei, no ato, de um poema do Drummond que quilometriza essas partes de um livro.
Poema-orelha
Carlos Drumond
Esta é a orelha do livro
Por onde o poeta escuta
Se dele falam mal
Ou se o amam...
...Tudo vivido? Nada.
Nada vivido? Tudo.
A orelha pouco explica
De cuidados terrenos:
E a poesia mais rica
É um sinal de menos.
O assunto já tinha nos assuntado. Ontem falamos sobre um conto meio surrealista do Sodrezinho sobre a invenção do martelo de orelha que, na verdade, era uma grande pegadinha. Tudo invenção da cabeça dele, só que parece que a gente tá lendo algo de alguma enciclopédia. E assim a orelha vai ganhando forma e se estendendo em nossa conversa blogueira.
Ah..., insistentemente, no facebook um punhado de gente, andou se oferecendo pra ser cobertor de orelha ou a procura de um, pra amenizar os dias de frio. E me ocorre uma conversa com outro Sodré, o Adir, mestre das cores e formas, num evento roqueiro poucos anos atrás. “Lorenzo, veja essas mocinhas bonitas e com penteado escorridinho nas partes laterais da cabeça”. “Sim, Didi, o que é que têm elas?”. “Todas têm orelhas de abano, por isso usam o cabelo assim”. Já ouvi dizer que quando essas partes do corpo (da cabeça, melhor dizendo) de uma criança eram de abano, antigamente, os pais chegavam a pregá-las com esparadrapo, na tentativa de corrigir o ‘pobrema’. Será mesmo?
Bom, é assim. Aqui no Tyrannus, o assunto ronda e provoca até sacarmos que ele quer ser projetado. É um assunto bom... Oreia seca, por exemplo, expressão sinônima de servente de pedreiro, me explicaram que surgiu porque de tanto trabalhar com o cimento, a orelha desses operários vai secando, secando, secando... E não se distraia. Fique concentrado em nosso texto e absorva quanto conhecimento, quanta coisa importante estamos aplicando em suas retinas, já que você não está aqui conosco, para desfrutar de uma conversa de pé de orelha. Se assim fosse, convém não esquecer que quando um burro fala, o outro abaixa a orelha. Na verdade, esse ditado, atribuído a La Fontaine, registra que “o outro abaixa a cabeça”, e não a orelha. É só ninguém espalhar que aconteceu este equívoco aqui e fica tudo bem. O que importa é que se trata de uma sabedoria popular antiga, porque é melhor um diálogo, ou conversação civilizada, do que vários monólogos estertorando nossa escassa paciência nestes tempos de fragmentação absurda. Absurda-muda.
Jean Paul Getty III, orelha decepada + avô milionário pão duro |
Não estava nem aí para sua orelha |
A palavra orelha vem do latim: aurícula. A orelha é formada por várias depressões e elevações, sendo a concha a maior depressão, sua principal função é coletar e localizar a origem dos sons. Já ouvi dizer que a orelha é uma das partes do corpo que nunca param de crescer. Depois de ouvir isso, passei a observar mais as orelhas idosas e julgo que seja verdade mesmo.
Se você não aprovou esta pauta corre o risco de vai levar um pé no ouvido ou um puxão de orelhas. Fique esperto, vamos ficar de orelha em pé porque estamos sentindo que você pode estar até as orelhas com as nossas bobagens, mas pra seu e meu consolo me contaram que um segredo tem sempre a forma de uma orelha. Não espalhe mais num conto de Clarice Lispector (acho que era dela mesmo), uma mulher despeja água fervendo de uma chaleira na orelha do companheiro adúltero, enquanto ele dormia.
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