Pressupõe-se que o leitor antes de tudo saiba ler. Alfabetizar-se é uma das lindezas da vida. Assistimos esse momento mágico do Vítor, um gurizinho que nasceu aqui em casa. Numa noite estávamos os quatro (Lorenzo, Fátima, Beatriz e Vítor) na sala. Vítor brincava com umas peças de um antigo jogo de palavras cruzadas. Nossa! Quantas noites montando palavras cruzadas! Por um instante Beatriz mostrou para Vítor que, juntando as letras B + O + I, formava-se uma palavra. O Vítor olhou, juntou as letras, repetiu as sílabas. Mas nada de formar a palavra compreensível. De repente: BOI.
Esse instante foi como um flash, a sala se iluminou. Vimos nos seus olhinhos a alegria de ler. Desesperado ele começou a pegar objetos com rótulos para ler. Leu a marca da camisa do Lorenzo que ficava no bolso, foi na cozinha pegou a lata de óleo, pegou revistas... Uma fissura alucinante. Isso foi uma parte da noite. Quando fomos dormir, ele virou-se pra mim e disse: “Tô com medo de dormir e amanhã não lembrar mais!”
Ignat Bednarik |
Quando conheci o "Seu Luiz" ele trabalhava na Fazenda Morro do Chapéu, no Manso, (acho que ainda trabalha lá). Ele tomava conta de tudo na fazenda. Uma pessoa incrível, uma prosa de fazer a gente perder a hora. Apesar de sua aparente simplicidade ele era (espero que ainda seja) a erudição popular em pessoa. Sabe aquelas pessoas que nascem sabendo e entendendo de todas as coisas? À noite, quando parte do povo dormia, "Seu Luiz" ia para um canto com o seu Tex nas mãos. Um dia ele me contou como aprendeu a ler. Disse que voltava da escola triste por não aprender a ler. Creio que se achava o mais ignorante dos meninos do mundo. De repente, uma folha de jornal veio voando e parou nos seus pés empoeirados. “Era um papel de bunda”, contou-me e disse que o pegou assim mesmo e pôs-se a soletrar: Ba, na, na... ba, na, na... bana... na, banana!!!!!! "Seu Luiz" relembrou que foi um lampejo, um raio que o atingiu... de inteligência.
Enfurnado dentro do ônibus com a cara enfiada dentro de um livro. Tem gente que é assim. Eu. Tu, ele, nós, vós e eles que andam de busu têm o direito de fazer isso. Quando percebemos alguém, em qualquer ligar que seja, lendo um livro, é normal sermos acometidos por uma curiosidade invasiva: “o que será que essa pessoa tá lendo?”
Ler é uma das maravilhas que aprendemos na infância. Algumas pessoas, com o decorrer do tempo, acabam abandonando completamente esse aprendizado. Uma pena, porque ler é bom demais. Um exercício mental fabuloso, uma forma de adquirir conhecimentos, de se divertir, de ampliar o vocabulário e de entender melhor o mundo. E quando conseguimos nos tornar seletivos e melhorar a qualidade da nossa leitura com o andar da carruagem da vida, aí maninho e maninha, é o apogeu, é a melhor coisa que existe.
Gustave Coubert |
Fico com pena de quem está fazendo mestrado, doutorado etc e precisa ler um catatau de coisas. Ah, e os estudantes que se preparam para o vestibular. Esses também são pobres coitados. Precisam saber de um mundaréu de coisas que, provavelmente, na próxima esquina da vida, boa parte do que leram de nada vai lhes valer para o resto da vida. Mas o bicho pega mesmo é pros lados desse povo que segue carreira acadêmica. Troço careta me parece esse academicismo superlativo. Sei que, entretanto, há exceções.
Ronaldo Cagiano |
“Lorenzo, estou louca pra me aposentar pra poder ler só o que eu quero”, disse-me a amiga querida e poeta, Marta Cocco. Ela matou a pau, porque o hábito da leitura – essa imersão intelectual benfazeja, precisa estar associada ao prazer.
Artaud por Cristian Barnes |
Um conto que acabei de ler do escritor Ronaldo Cagiano, “A Ilha Invisível”, do livro “Dezembro Indigesto”, foi a inspiração maior para este post. O personagem, que parece ser o próprio Cagiano, está lendo dentro de um ônibus em Brasília, totalmente entretido com um fabuloso romance de Albert Camus. Alguém se senta ao seu lado e ele percebe a curiosidade do companheiro de viagem em relação a ele e ao seu livro, mas não consegue dar bola pro cara. Ao final da viagem o sujeito se apresenta como Antonin Artaud e a história termina. A Cagiano, ou ao seu personagem, sobra um resto de arrependimento misturado com perplexidade. Não é todo dia que a gente dispensa uma conversinha com Artaud.
"peixe velho quer voar"
ResponderExcluirmarta, quebre os cocos e joga pro ar. essa mania de achar que se aposentando é que vai poder viver, poetar, mergulhar. acorda guria! quando se aposentar vai é estar cansada...haushaushaus!
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