Granta: versão brasileira de Michael Salu |
Enquanto oscilava entre o laptop na sala e a
geladeira na cozinha, dava uma esgueirada com paradinhas em
frente a TV. Passava um filme argentino, "As acácias", sobre o qual
tinha lido uma crítica. Não queria ou não dava para assistir naquela hora.
Talvez coisas mais importantes para fazer... ou não fazer. Mas não me saía da
cabeça o texto sobre o maldito filme. Numa espécie de revolta/desabafo, o autor
das palavras criticava o estilo arrastado e moroso, onde
nada acontecia. Antes de fechar o artigo um escancarado elogio (?).
Filme de arte é meio assim mesmo. Às vezes é
um saco de assistir, mas você fica preso ali e quando chega no final se dá
conta de que alguma coisa foi acrescentada. O fato de ser uma produção argentina
mexe. Como são bons esses filmes que vêm lá da terra dos nossos eternos rivais.
E que brilhante também tem sido a literatura dos hermanos. Sigo pensando e ando
pela casa de tempo em tempo. Sala, cozinha... geladeira, splat, laptop.
offgranta.wordpress.com "um espaço para os 227 rejeitados na antologia Granta" |
Pensava em escrever algo sobre a seleção de
novos escritores brasileiros (com menos de 40 anos), que a revista britânica “Granta”
acabou de divulgar. A revista, de projeção internacional, vai publicar contos e
trechos de romances de vinte autores nossos. Claro que a seleção dos nomes deu
o maior falatório. Sinto que "As acácias" está em seus minutos
derradeiros e planto-me em frente a TV. O final é emocionante e meus olhos
umedecem. "Una furtiva lacrima". Estou me achando o máximo por ter me
emocionado com uns poquitos minutos de filme. Ego inflado. Úmido.
Una furtiva lacrima (Gaetano Donizetti) |
Sou chamado a atenção. Uma repreensão bem
humorada que caberia no estilo cuiabano de falar: "Agora o que que é
esse... assiste só o finalzinho e se acha no direito de chorar?" O choro, por mais econômico e malhado que
seja, sempre é teatral. Resulta de reações internas em quem o pratica, mas pode
exercer influências comportamentais em quem está próximo. "Chora neném...
chora neném, que mamãe compra". Era o que dizia o pipoqueiro pra minha
mãe, quando ela saía pra passear comigo ainda criança pequeno lá de Livramento.
Não me lembro, mas sei que é verdade.
Voltemos aos jovens autores brasileiros. Eles
estão numa edição brasileira da revista Granta, mas também serão traduzidos e
publicados em inglês, espanhol e até em chinês. Em meio a chiadeira geral, há
aspectos similares nas letras desses autores novos. A narrativa na primeira
pessoa é uma delas. Outro ponto em comum é que dos 20 selecionados, 14 já
participaram de oficinas literárias ou estudam literatura na universidade. A era
dos autodidatas, dos tempos em que funcionários públicos e profissionais
liberais que se tornavam os principais escritores brasileiros parece estar
enfrentando o seu declínio.
Pablo Giorgelli levou a "Câmera de Ouro" em Cannes |
E volto à literatura argentina, que sempre
gosto de elogiar. A renovação literária no país vizinho tem uma característica
básica e muito comum em praticamente todos os escritores das novas gerações: o
alto nível de erudição dos autores. Bom, estudar e sistematizar os
conhecimentos sobre literatura, parecem ser um bom caminho para destinos
literários. Mas é preciso mais do que isso. Falta todo o resto. O resto que a
gente vai criar e inventar com muito carinho, ralação, imaginação e, quiçá, o
auxílio dos deuses. Não adianta ficar só na frente da televisão em pé e chorar
nos três minutos finais do filme.
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