segunda-feira, 16 de julho de 2012

Ensaio


Granta: versão brasileira de Michael Salu
Enquanto oscilava entre o laptop na sala e a geladeira na cozinha, dava uma esgueirada com paradinhas em frente a TV. Passava um filme argentino, "As acácias", sobre o qual tinha lido uma crítica. Não queria ou não dava para assistir naquela hora. Talvez coisas mais importantes para fazer... ou não fazer. Mas não me saía da cabeça o texto sobre o maldito filme. Numa espécie de revolta/desabafo, o autor das palavras  criticava o estilo arrastado e moroso, onde nada acontecia. Antes de fechar o artigo um escancarado elogio (?).

Filme de arte é meio assim mesmo. Às vezes é um saco de assistir, mas você fica preso ali e quando chega no final se dá conta de que alguma coisa foi acrescentada. O fato de ser uma produção argentina mexe. Como são bons esses filmes que vêm lá da terra dos nossos eternos rivais. E que brilhante também tem sido a literatura dos hermanos. Sigo pensando e ando pela casa de tempo em tempo. Sala, cozinha... geladeira, splat, laptop.

offgranta.wordpress.com
"um espaço para os 227 rejeitados na antologia Granta"


Pensava em escrever algo sobre a seleção de novos escritores brasileiros (com menos de 40 anos), que a revista britânica “Granta” acabou de divulgar. A revista, de projeção internacional, vai publicar contos e trechos de romances de vinte autores nossos. Claro que a seleção dos nomes deu o maior falatório. Sinto que "As acácias" está em seus minutos derradeiros e planto-me em frente a TV. O final é emocionante e meus olhos umedecem. "Una furtiva lacrima". Estou me achando o máximo por ter me emocionado com uns poquitos minutos de filme. Ego inflado. Úmido.

Una furtiva lacrima (Gaetano Donizetti)


Sou chamado a atenção. Uma repreensão bem humorada que caberia no estilo cuiabano de falar: "Agora o que que é esse... assiste só o finalzinho e se acha no direito de chorar?"  O choro, por mais econômico e malhado que seja, sempre é teatral. Resulta de reações internas em quem o pratica, mas pode exercer influências comportamentais em quem está próximo. "Chora neném... chora neném, que mamãe compra". Era o que dizia o pipoqueiro pra minha mãe, quando ela saía pra passear comigo ainda criança pequeno lá de Livramento. Não me lembro, mas sei que é verdade.



Voltemos aos jovens autores brasileiros. Eles estão numa edição brasileira da revista Granta, mas também serão traduzidos e publicados em inglês, espanhol e até em chinês. Em meio a chiadeira geral, há aspectos similares nas letras desses autores novos. A narrativa na primeira pessoa é uma delas. Outro ponto em comum é que dos 20 selecionados, 14 já participaram de oficinas literárias ou estudam literatura na universidade. A era dos autodidatas, dos tempos em que funcionários públicos e profissionais liberais que se tornavam os principais escritores brasileiros parece estar enfrentando o seu declínio.

Pablo Giorgelli levou a "Câmera de Ouro" em Cannes

E volto à literatura argentina, que sempre gosto de elogiar. A renovação literária no país vizinho tem uma característica básica e muito comum em praticamente todos os escritores das novas gerações: o alto nível de erudição dos autores. Bom, estudar e sistematizar os conhecimentos sobre literatura, parecem ser um bom caminho para destinos literários. Mas é preciso mais do que isso. Falta todo o resto. O resto que a gente vai criar e inventar com muito carinho, ralação, imaginação e, quiçá, o auxílio dos deuses. Não adianta ficar só na frente da televisão em pé e chorar nos três minutos finais do filme.

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