sábado, 1 de setembro de 2012

Dinote

Parque Nacional do Pantanal (Foto: Zé Medeiros)

No Pantanal não existe caxeiro viajante. Lá é o chalaneiro que transporta as coisas de necessidade. Chalana é uma embarcação usada para a navegação nos rios pantaneiros. Por ser grande, transporta todo tipo de carga: desde o gado, até coisas pequenas como lâmina de barbear e fluido para isqueiro. Ouvimos muitas histórias do Dinote, que nasceu Vandenir Vaz. Um chalaneiro que fez a rota fluvial de Corumbá (MS) a Poconé (MT), pelo rio Paraguai/Cuiabá, por mais de 35 anos.

Era um bulixo flutuante, obviamente, a preços nada modestos, porque o economês dessa planície inudável tem regras próprias. Quem lá naquela distância se importa com preço? É a necessidade, a precisão que dá o valor. Não é a lei do mercado? A lei da oferta e procura????


(Foto: Leonam de Souza)

Um dos víveres mais desejados no Pantanal é o gás de cozinha! Tirante a cachaça, que é hours concurs, tem coisas que adquirem valor imensurável como escova e pasta de dente, desodorante, cibalena, cigarro, fumo...  Além da alegria anunciada da chegada do Dinote existia a possibilidade de fazer um trecho, de ida ou vinda, em sua chalana. Gente com um de tudo: bicheira na perna, angina no peito, picado de bicho, costela quebrada, criança chorona. Males que os remédios caseiros ou as benzidas não aprumavam.



E mais gente que precisa fazer compras, visitar um parente, fazer um telefonema, pra estudar ou pra zoar em Corumbá ou Poconé. Assim ó, de gente! Todo mundo apinhado na chalana do Dinote, acomodados nos botijões de gás cheios e/ou vazios. A Marinha, de uns tempos pra cá, resolveu acabar com essas viagens de gente acomodada em cima de botijão. Questões de segurança! E faz falta. Não temos notícia de como esse povo pantaneiro, atualmente, vai pra lá e pra cá.


Mario Zan, autor da famosa Chalana

Obras no Pantanal é uma loucura, nem queira estar na pele que quem tá tocando obra! E quem levava tijolo, cimento, ferros, telhas, janelas, azulejos e até areia? O Dinote. E em obra tem pedreiros. Era um tal do Dinote chegar e sumir pedreiro. A marvada desce na goela que nem mel, na maciota. E não adianta proibir, ameaçar demissão por causa de bebedeira. Quero ver arranjar pedreiro no Pantanal. Dizem que na construção da famosa "Ilha da Camargo Correa", tentaram. Mas não conseguiram.


Por do sol pantaneiro (Foto: Cláudio Oliveira)

Recentemente soube que Dinote teve um treco no coração e deixou de dar assistência aos pantaneiros. Pode até ter gente fazendo este trabalho, mas não creio que faça história como o Dinote fez. Afinal hoje tem cada vez menos gente da terra (das águas, melhor dizendo) por lá. Em uma conversa com o Dinote, que foi incluída no livro “O ouvir da literatura pantaneira”, de Frederico Augusto Garcia Fernandes, ele diz: “No Pantanal ninguém faz nada. Hoje o cara tá com dez peão. O cara tem três fazendas, tinha dez peão, hoje ele tá com três.”

Hoje no Pantanal tem turistas em barcos bacanas e montoeira de forasteiros. E novos ricos comprando terras, esse povo não tem precisão de uma prosa, de tomar uma cachaça, de  notícia de parente, amigo ou conhecido lá de rio abaixo ou de rio acima. Corixos e vazantes, se ainda obedecem a mesmo hidrodinâmica, sabe Deus. Sabem também os pantaneiros remanescentes de outros tempos, que não voltam mais. 
  
E assim ela se foi...

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