(Foto: M. Vergueiro) |
É curioso como esta obra do escritor chapadense muito se assemelha a “Cerimônias do Esquecimento” (Editora da UFMT-1995), outro livro de Dicke. Há personagens e situações idênticas e acho que até alguns trechos são uma coisa só. Um deriva do outro, ou vice-versa, e não tem mais como saber, já que Dicke se mandou deste mundo há quase quatro anos. Minha impressão é que Cerimônias do Esquecimento vem depois de Cerimônias do Sertão que, apesar de ter sido editado ano passado, foi escrito nos anos 70.
Em todo caso, os dois livros expõem a saga de personagens conectados que se encontram em alguma passagem da narrativa, nem que seja na memória do narrador. Numa ambiência rural, o que caracteriza quase toda obra de Dicke, histórias paralelas se desenvolvem e se entrecruzam, através desses personagens aparentemente improváveis para este mundo urbano e moderno, porém, quem conhece essas corrutelas da Baixada Cuiabana, sabe muito bem que nesses locais cabe gente desse tipo. Só cabe.
São lugares onde o tempo parou e que têm a maior parte de sua população entranhada na zona rural. Neste Cerimônias, um professor de filosofia passa pela experiência de um exílio forçado no município da Guia, já que as pontes que ligam a pequena cidade a Cuiabá caíram por conta de uma chuvarada infernal. É lá que a história vai florescendo na cabeça de Frutuoso Celidônio, personagem central que, claro, tem uma pegada autobiográfica.
Dicke era formado em Filosofia e chegou a dar aulas na UFMT, se não me falha a memória. Cipriano do Pau dos Machados, Rosaura do Espírito Santo, Catrumano, João Ferragem, Leonora (a de beleza suprema), João Quatruz, João Valadar e muitos outros seguem compondo um enredo que flerta com algo próximo a um realismo mágico, mas que se caracteriza muito mais pelos questionamentos filosóficos. Questionamentos, aliás, presentes em toda a obra de Ricardo. Filosóficos e/ou metafísicos.
Capela Nossa Senhora da Guia |
Rio Coxipó-açu (W. Malheiros) |
Ricardo Dicke é um dos autores que tem marcado minha formação. Sou conhecedor da sua obra, quase toda, e acuso minha preferência pelos seus “tijolos”. Adoro seus longos escritos de 400 ou 500 páginas que nos gastam as retinas e provocam nossas memórias. É porque sua ficção mais longa permite um envolvimento maior e mais verdadeiro com a densidade literária do autor e seu estilo torrencial de escrever.
(Foto: M. Vergueiro) |
Sei bem da dificuldade para ler este autor, um grande erudito, que não faz concessões em sua literatura. Quanto mais conhecimento tivermos, especialmente no terreno das artes, mais saborosa, agradável e enriquecedora será a leitura de um livro de Dicke.
João Sebastião da Costa |
Lorenzo, de fato, a literatura do RGD é fascinante e muito exigente em relação a erudicidade dos seus leitores. Lembro bem do "choque" que senti ao ler "O salário dos poetas" e "Rio Abaixo dos Vaqueiros", duas das obras que diria serem as "mais fáceis" do Dicke. E olha que já tinha lido "Madona dos Páramos"! Uma pena que no Brasil, ainda hoje, com todas as facilidades de comunicação e interlocução digitais, só são considerados grandes autores quem mora e escreve a partir do sudeste. As vezes, me pergunto: quantos outros "Dicke" haverão pelo interior e estados "periféricos" do Brasil? E constato que esse "exilio da genialidade criativa" da nossa literatura empobrece sobremaneira a cultura brasileira.
ResponderExcluirGrande Peres, que bom vê-lo por estas bandas. Será sempre bem recebido e gratos pelo comentário. Abraços Tyrannus!!!
ResponderExcluirGostaria de fazer referência a seu texto em um trabalho, porém, preciso do nome do autor, só o nome da revista não basta para mim. Seria possível?!
ResponderExcluirClaro que sim.... e ficamos felizes. Envie um email para tyrannusmelancholicus@gmail.com com o número de seu telefone, que entraremos em contato. Você já viu o site: www.tyrannusmelancholicus.com.br? Abraços
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