terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ler

Pressupõe-se que o leitor antes de tudo saiba ler. Alfabetizar-se é uma das lindezas da vida. Assistimos esse momento mágico do Vítor, um gurizinho que nasceu aqui em casa. Numa noite estávamos os quatro (Lorenzo, Fátima, Beatriz e Vítor) na sala. Vítor brincava com umas peças de um antigo jogo de palavras cruzadas. Nossa! Quantas noites montando palavras cruzadas! Por um instante Beatriz mostrou para Vítor que, juntando as letras B + O + I, formava-se uma palavra. O Vítor olhou, juntou as letras, repetiu as sílabas. Mas nada de formar a palavra compreensível. De repente: BOI.
Esse instante foi como um flash, a sala se iluminou. Vimos nos seus olhinhos a alegria de ler. Desesperado ele começou a pegar objetos com rótulos para ler. Leu a marca da camisa do Lorenzo que ficava no bolso, foi na cozinha pegou a lata de óleo, pegou revistas... Uma fissura alucinante. Isso foi uma parte da noite. Quando fomos dormir, ele virou-se pra mim e disse: “Tô com medo de dormir e amanhã não lembrar mais!”
Ignat Bednarik
Quando conheci o "Seu Luiz" ele trabalhava na Fazenda Morro do Chapéu, no Manso, (acho que ainda trabalha lá). Ele tomava conta de tudo na fazenda. Uma pessoa incrível, uma prosa de fazer a gente perder a hora. Apesar de sua aparente simplicidade ele era (espero que ainda seja) a erudição popular em pessoa. Sabe aquelas pessoas que nascem sabendo e entendendo de todas as coisas? À noite, quando parte do povo dormia, "Seu Luiz" ia para um canto com o seu Tex nas mãos. Um dia ele me contou como aprendeu a ler. Disse que voltava da escola triste por não aprender a ler. Creio que se achava o mais ignorante dos meninos do mundo. De repente, uma folha de jornal veio voando e parou nos seus pés empoeirados. “Era um papel de bunda”, contou-me e disse que o pegou assim mesmo e pôs-se a soletrar: Ba, na, na... ba, na, na... bana... na, banana!!!!!! "Seu Luiz" relembrou que foi um lampejo, um raio que o atingiu... de inteligência.   

 Enfurnado dentro do ônibus com a cara enfiada dentro de um livro. Tem gente que é assim. Eu. Tu, ele, nós, vós e eles que andam de busu têm o direito de fazer isso. Quando percebemos alguém, em qualquer ligar que seja, lendo um livro, é normal sermos acometidos por uma curiosidade invasiva: “o que será que essa pessoa tá lendo?”
 Ler é uma das maravilhas que aprendemos na infância. Algumas pessoas, com o decorrer do tempo, acabam abandonando completamente esse aprendizado. Uma pena, porque ler é bom demais. Um exercício mental fabuloso, uma forma de adquirir conhecimentos, de se divertir, de ampliar o vocabulário e de entender melhor o mundo. E quando conseguimos nos tornar seletivos e melhorar a qualidade da nossa leitura com o andar da carruagem da vida, aí maninho e maninha, é o apogeu, é a melhor coisa que existe.

Gustave Coubert
Fico com pena de quem está fazendo mestrado, doutorado etc e precisa ler um catatau de coisas. Ah, e os estudantes que se preparam para o vestibular. Esses também são pobres coitados. Precisam saber de um mundaréu de coisas que, provavelmente, na próxima esquina da vida, boa parte do que leram de nada vai lhes valer para o resto da vida. Mas o bicho pega mesmo é pros lados desse povo que segue carreira acadêmica. Troço careta me parece esse academicismo superlativo. Sei que, entretanto, há exceções.

Ronaldo Cagiano
“Lorenzo, estou louca pra me aposentar pra poder ler só o que eu quero”, disse-me a amiga querida e poeta, Marta Cocco. Ela matou a pau, porque o hábito da leitura – essa imersão intelectual benfazeja, precisa estar associada ao prazer.

Artaud por Cristian Barnes

Um conto que acabei de ler do escritor Ronaldo Cagiano, “A Ilha Invisível”, do livro “Dezembro Indigesto”, foi a inspiração maior para este post. O personagem, que parece ser o próprio Cagiano, está lendo dentro de um ônibus em Brasília, totalmente entretido com um fabuloso romance de Albert Camus. Alguém se senta ao seu lado e ele percebe a curiosidade do companheiro de viagem em relação a ele e ao seu livro, mas não consegue dar bola pro cara. Ao final da viagem o sujeito se apresenta como Antonin Artaud e a história termina. A Cagiano, ou ao seu personagem, sobra um resto de arrependimento misturado com perplexidade. Não é todo dia que a gente dispensa uma conversinha com Artaud.


2 comentários:

  1. marta, quebre os cocos e joga pro ar. essa mania de achar que se aposentando é que vai poder viver, poetar, mergulhar. acorda guria! quando se aposentar vai é estar cansada...haushaushaus!

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