quinta-feira, 30 de junho de 2011


Uma amiga, jornalista, sei lá quanto tempo atrás, entrou na redação do Diário e me perguntou se eu tinha escrito algo sobre comerciais de TV produzidos aqui. “Sim...”. Ela, então, contou que visitou uma agência de publicidade e percebeu um enorme baixo astral. Por conta do meu texto questionando a qualidade do reclame. Sinceramente, não era o que pretendia, mas quando a gente se mete a criticar aberta e francamente, o reflexo disso tende a provocar um grande estrago. E dizem que a crítica é necessária. Acredito.  Mas quando a crítica desce a lenha, seria melhor dizer que é um mal necessário.

Não. Não vou escrever novamente metendo o pau nos comerciais de TV made in MT, embora o assunto me remeta a uma das primeiras matérias que fiz, em conjunto com o Antonio de Pádua, habitante de outras dimensões atualmente, na antiga revista Contato. A matéria era de capa e a gente discorria sobre a malfadada propaganda televisiva de Cuiabá. E o Pádua, provocador e incisivo, manchetou logo um título assim: “Nossos comerciais, que horror”. Naqueles tempos, meados dos anos 80, a matéria repercutiu.

Pádua, Gregório de Matos do Cerrado

Lembrei de um comercial antigo – produção local – protagonizado pela grande majestade negra da cuiabania, o colunista social Jejé. O reclame era de uma casa de materiais de construção que estava com produtos em promoção. Entre eles, uma grande caixa d’água de eternit. Cena 1:O Jejé aparece dentro da caixa d’água cheia. Locução em off anuncia os preços promocionais e termina na caixa. Cena 2: Close do Jejé, com água até no pescoço,  dizendo: “Nessa... eu entro de cabeça”. Cena 3: Jejé tampa o nariz e submerge na caixa d’água, no melhor estilo “mergulho olímpico de madame recatada”.  Uma ideia simples produzida com imagens rudimentares. Eu diria um “table top” sofisticado, a explorar um ícone da cuiabania.

Jejé de Oyá, estrela de comercial

Tô aqui contando essas coisas e é impossível esquecer que protagonizei vários comerciais, alguns engraçados, outros mais pra mambembes. Um deles, eu e a Fátima fizemos juntos pro extinto Supermercados Trento. Éramos um casal de apresentadores, estilo Jornal Nacional. Eu, Deolindo Lindão e a Fátima, a Tieko Nomia, paramentada como uma gueixa ou Madame Buterfly. Dava trabalho, mas salvou a nossa pátria naqueles tempos de inflação alta. O cachê significava carrinhos de supermercados cheios.

Os textos exploravam acontecimentos de destaque na mídia e um deles, depois de toda trabalheira que é uma gravação, foi pro ar, mas o Secretário de Segurança (MT) na época, Oscar Travassos, mandou tirar do ar, porque o texto mencionava Márcio Martins, vulgo Rambo, garimpeiro que aprontou no Sul do Pará e acho que seus tentáculos se estenderam também ao Norte de Mato Grosso. Que chique ser censurado...


Outro, mais antigo, foi da Cerâmica Dom Bosco com uma galera de amigos: Gê Vilá, Mauricio Leite, Munir Nasr, Carlão, Petraglia e Urubatã, se esqueci de alguém, perdão. No roteiro, estávamos numa fila de ônibus e desenvolvíamos o conceito daquela brincadeira “telefone sem fio”. “Tijolada, a cerâmica Dom Bosco tá vendendo em 15 pagamentos sem juros”, dizia o Maurício Leite, vestindo uma camisa do Operário (vulgo, chicote da fronteira), radinho a pilha grudado ‘nas oreia’, a notícia vai repassando, até perder o sentido. A produção foi legal. Fez sucesso e incrementou as vendas da cerâmica.

Carlão, bonequeiro e garoto propaganda 


Mauricio Leite, ex-torcedor do Chicote 
O último comercial que gravei foi com o Braguinha, para a Trescinco . Nunca mais vi o Braguinha, mas a Trescinco continua no mesmo lugar. O Braguinha é baixinho, eu sou alto, a ideia era enfatizar a diferença de estatura, pois os produtos oferecidos tinham condições de pagamento flexíveis. Estávamos caracterizados como os “Irmãos Cara de Pau” (1980), musical dirigido por John Landis ...

Eu e Braguinha, caras de pau
É essa a minha curta, enfática e agradável carreira nos filmes comerciais, de Cuiabá. Resta apenas dizer que ao me referir ao último comercial que gravei, não quis dizer que abandonei minha carreira de ator de reclames televisivos. Continuo aí nas paradas, moçada... O sucesso de público e crítica, garanto.

  

quarta-feira, 29 de junho de 2011


Adocica, meu amor, a minha vida
O paladar é um dos sentidos mais fortes que possuímos. Acostumamo-nos a exemplificar, identificar, reconhecer, atribuir a momentos, pessoas, a situações aos sabores que o nosso pequeno órgão, a língua, é capaz de registrar: Azedo, salgado, doce e amargo. Que quatro nada, agora são cinco sabores. Descobriram recentemente que um quinto, que recebeu o nome de umani (origem japonesa) que significa delicioso, saboroso (parece que tem a ver, melhor, sentir ao sabor picante). A gustação é função da língua, embora os aromas passem pela faringe. O sabor é uma soma do gosto e do odor, simultaneamente.

A tradição chinesa refere aos cinco sabores como algo que tem efeitos negativos e positivos, portanto devem ser harmonizados para proporcionar benefícios à saúde. Eles entram nos nossos órgãos causando efeitos específicos: o sabor ácido vai para o fígado e seu efeito é reunir e aglutinar; o sabor acre (azedo) vai para os pulmões e causa dispersão; o amargo vai direto ao coração, fortalecendo-o; o salgado vai para os rins e tem efeito amaciador e, finalmente, o doce, vai para o baço e seu efeito é retardar.   Tem sentido...

Como ia dizendo, costumamos classificar, identificar momentos, pessoas e outras coisas com sabores: Que pessoinha azeda (ranheta)! Que roupa mais salgada (cara)! Que ácido legal (êpa????)! Coisinha mais doce (chechelenta)! Pô, você é amargo que nem jiló (negativo)!


Silvana Arroz Mangano amargo

A tal da química entre dois seres é detectada pelo e no beijo. É nesse momento crucial que sentimos o sabor, cheiro e textura da boca,  da língua, da saliva, e se define (na primeira, sem segunda), se vai rolar ou não qualquer coisa.

Encontro-me numa encruzilhada, formada pelo doce e o amargo. Fico com o mel ou vou para o lado do fel?  De uma coisa tenho certeza, os dois em excesso são horríveis, enjoativos.

Última moda da gente agora é escrever separados. A Fátima se mandou lá pro fundo da casa onde fica o computador fixo e eu, aqui na sala com o laptop (aproveito pra dar uma espiada no futebol). Ela, meio que dissimulada, disse que iria escrever sobre sabores.  Hummm... E eu vou preparando meus sabores, por aqui. Tá valendo “Arroz Amargo”, “A Doce Vida”, “Amargo Pesadelo”, “O Sabor da Cereja”. Grandes filmes.  


Último ensinamento do mestre aos pequenos gafanhotos  


Quando criança eu era bastante enjoado com comida. Não gostava de quase nada. Muitas coisas que me ofereciam eu dizia que não queria porque não gostava, mas nunca tinha nem experimentado. Acho que toda criança é um pouco assim. Hoje posso dizer que são poucas as coisas que não experimentei, pelo menos em matéria de culinária e alimentos mais comuns aqui no Brasil. Experimentar novos sabores é coisa que deve fazer parte desta vida, até porque, a gente não sabe como vai ser essa história de rango numa outra vida.


Toda sexta, juro que não vou pisar
Mas, mesmo sendo um experimentador meio atrevido em relação aos sabores, devo confessar que nunca saboreei uma jaca (costumo mais pisar nelas). O tal do escargot também é coisa que meu paladar ainda não emplacou. Quem sabe um dia. Uma viagem ao oriente para submeter meu paladar ao exotismo daquelas bandas do mundo por enquanto é sonho. Experimentar alguns insetos (farofa de tanajura já provei e aprovei), quem sabe... Mas, cachorro, não.  Um cachorro quente é outra história.


Os clichês do cinema e outras coisas não tão clichês, mas talvez quase, estão em nosso prato do dia. Sabe aquela mala... Aquela??!! Melhor dizendo, aquelas que você viu alguém carregando num filme antigo ou meio antigo, e que era visível demais que o personagem que estava com a mala não fazia o menor esforço pra demonstrar que dentro dela havia alguma coisa que pesasse pelo menos um pouquinho? Parece que mala cheia e pesada não combina com cinema, até hoje. Ou não é muito comum. E, com o advento das malas com rodinhas, ajudou bastante dar a tal da verossimilhança. Bom... mala, é sempre mala.

Passemos diretamente aos ventiladores, especialmente os de teto, que giram numa velocidade tão lenta, mas tão lenta, que até mosquito consegue assentar na hélice do ‘ventila’.  Essa cena de cinema também é clássica, nunca entendi o motivo. Cheguei a ler uma teoria interessante sobre o efeito dessa imagem – um ventilador vagaroso – um calor extremado, compondo um contexto de cena.  


As correrias, as perseguições entre carros que jogam a adrenalina nos píncaros entram na lista dos clichês. O estranho nessas cenas, que são produzidas com todo o aparato e tudo planejadíssimo, é que os carros sobem e descem calçadas, escadas, invadem praças, restaurantes e tudo até onde vai a imaginação do diretor e do roteirista, mas na maior parte das vezes ninguém é atropelado. Somente bancas de frutas são atropeladas. Dezenas, centenas de laranjas e maçãs esparramadas pelo chão. O carro do mocinho ou herói da parada, então, esse jamais deve agredir um pobre transeunte que está por ali de bobeira. Ainda mais se esse pedestre for um dublê especializado em saltos estapafúrdios.  É cinema.










Sequência do filme "Operação França"

Ainda sobre carros em alta velocidade. Não é difícil a gente ver um conversível comendo asfalto e dentro dele, alguém de chapéu (que nunca sai voando) ou mesmo com um cabelo super penteado (que nunca se desmancha e/ou emaranha).

Tem um outro negócio que nós só vimos no cinema. É bacana e deve ser interessante de se presenciar na vida real. Sabe aquela história de após um espetáculo, nos primeiros segundos nada de palmas, mas depois aparece um “cristo” que começa a bate palmas, cadenciadas e as palmas vão surgindo paulatinamente até contaminarem toda a plateia?  Acho que quando presenciarmos isso, a vida vai imitar a arte.

Não são poucos os filmes em que vai haver mortos, está na cara desde quando a história começa. Aí aparece um personagem negro e a coisa vai se evidenciando no sentido de que esse personagem vai morrer primeiro. E, morre. Por que, será?????   

Uma cena de perseguição, um grupo correndo por montanhas, lamaçais, floresta, de dia ou noite aí o lugar comum, uma mulher cai e torçe o tornozelo. Lógico que ela nãos era deixada para trás e isso vai embananar toda a fuga. Nos filmes de terror, os personagens que serão vitimados, quase sempre escolhem ir por um lugar mais escuro, nas horas mais impróprias, um caminho errado, mesmo que haja outras opções. Nós aqui, em vão, tentamos dizer da poltrona, alertando os personagens: Não vá por aí..., idiota. Não faça isso... Mas, ôooo pessoal de cabeça dura esses personagens que morrem nos filmes de terror e suspense.


Crianças são o terror! (O iluminado)

Alguém aí já ouviu dizer que o criminoso é o mordomo, ou que o assassino sempre volta ao local do crime? Coisa de cinema.  E as explosões de espaçonaves nos filmes de ficção, segundo me disseram, estão entre as maiores mentiras e clichês da história do cinema. O som não se propaga no vácuo.




No vácuo deste, mais um lance. Um clichê que, como a maior parte dos aqui citados, são muito mais comuns nos filmes de antigamente. Falemos sobre os finais dos filmes mais antigos, eu diria daqueles das décadas de 50 pra trás, que surgem com naturalidade e de forma simples diante dos espectadores e que mesmo assim nunca deixam de ser emocionantes (apesar de até previsíveis).  O cinema mais recente parece não mais encontrar essa espontaneidade que pode e precisa surgir ao final de uma boa história. Bom, não deve ser fácil fechar um filme. Arranjar um “gran finalle”, então, deve ser mais difícil ainda. Por isso mesmo, sem mais nem menos, o nosso texto fica hoje por aqui. Dá-lhe cinema.



A mulher da mala e o mordomo anão assassino voltam ao lugar do crime...


  


sábado, 25 de junho de 2011


Correr. Malhar. Liberar os hormônios que produzem a sensação de felicidade. É o que dizem. Sei do conforto psicológico que me dá uma sessão de atividade física, mas, confesso, não tenho sentido prazer nem felicidade nenhuma. Quando estou caminhando na esteira que compramos e que não gostaria que virasse cabide, o que mais me vem à cabeça é que amanhã ou depois de amanhã estarei ali novamente. Brincando de hamster, como bem definiu um amigo outro dia.

Por que eu? Por que logo eu, que já joguei basquete, futebol, vôlei, handebol, natação, atletismo e me formei em educação física? Por que logo eu haveria de sentir esse desprezo, essa quase que revolta contra a atividade física?

Não sei. Só sei que tenho que fazer e sigo a minha luta pra baixar o nível do canalha do meu triglicérides. Pelo menos meia hora de esteira, quatro ou cinco vezes por semana. O tempo ideal para percorrer uns 3.500 metros. Lá se vão dois meses que ando nessa malhação e acho que está na hora de fazer um novo exame de sangue pra ver se baixou a coisa. Se não tiver baixado, não quero nem pensar...


Houve um tempo, antes de ser praticamente obrigado a malhar, em que frequentei academias. Nelas, meu terror eram os abdominais. E ainda o são. Não os faço mesmo. Nadar na hora do almoço foi outra tentativa de vida saudável que fez parte do meu histórico. O problema é que eu saía da piscina urrando de fome e almoçava que nem trabalhador braçal. É, parece que depois que parei de praticar esportes, essa história de atividade física virou um drama na minha vida.

Dramatizar, aliás, é comigo mesmo. Drama é algo incrustado em minha vida. E exagero nele talvez pra dar um toque de ficção em minha existência. E o drama, que é o pai da tragédia, é melhor do que ela. Sei que esses cuidados com a saúde devem ser encarados com naturalidade. Todo mundo, mais cedo ou mais tarde, acaba tendo que tomar suas providências saudáveis.



De vez em quando, abandono a esteira e saio caminhando pelo bairro sossegado. É mais divertido. Encontro as pessoas e vou observando pássaros, árvores e toda aquela paisagem bucólica comum a um bairro periférico. Costumo caminhar munido do inseparável celular. Gosto de fotografar com ele e, na rua, sempre rolam flagrantes que merecem um clique. Coisas como a lua vespertina espetada num galho de lixeira, ou um pobre sinimbu esmagado no asfalto.



Mas essa de sair de casa me remete a preguiça, então, veio a esteira. Ela fica ali como se estivesse a me olhar, me provocar. Está posicionada em frente a televisão, porque diante da telinha tenho opções que ajudam o tempo a passar mais rápido.  

Meu pai, que já passou dos 80 e também foi desportista como eu, largou dessa história de atividade física há várias décadas. Costuma dizer que já fez muita atividade física. Tem crédito. Mas eu também era pra ter. Tenho inveja do meu pai. Ele não tem problemas com triglicérides e colesterol. Que pena que não herdei dele essa saúde sanguínea.  

Curtir músicas, livros e filmes de qualidade bem que podiam ajudar a gente nessa história de saúde. São atividades saudáveis, mas têm mais a ver com o nosso espírito, não com o corpo, esse monte de ossos impregnados de carnaiada por todos os lados.
Uma alongada, ah... Isso ainda me dá prazer, acho gostoso. Quando acordo naturalmente, aos finais de semana e nenhum compromisso há à vista, nada como uma boa espreguiçada. É mais ou menos por aí.  Sou daquelas pessoas adeptas a uma vida completamente sem esforço. Nem stress, nem preocupações. Uma vez, numa poesia, versejei que meu signo no horóscopo chinês deve ser o bicho preguiça.  E... cansei, por hoje...


Dor na junta... acho que o tempo tá virando






sexta-feira, 24 de junho de 2011

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Um diamante encontrado em algum garimpo na região da Guia é o ponto de partida para esta ficção de Ricardo Guilherme Dicke, “Os Semelhantes”, que acaba de chegar. Escrito nos anos setenta, quando o autor ainda estava em sua fase inicial, esta novela com 180 páginas, editada pela Carlini & Caniato, apresenta o escritor mato-grossense em sua fase inicial, quando seu texto se primava muito mais pela ação vertiginosa e quase sempre ambientado no meio rural, retratando as gentes desta região e a mítica relação entre elas e o meio onde vivem. Entre os leitores de Dicke, a maior parte costuma se sentir mais à vontade com as obras dessa época. De fato são livros como os seus primeiros, e mais premiados, “Deus de Caim”, “Caieira” e “Madona dos Páramos”; providos de uma leitura que flui de maneira mais ágil, embora também já impregnados pela metafísica que, à medida em que os anos passavam, enfronhou-se mais e mais nessa pegada filosófica.

Marçal Aquino, escritor e roteirista de cinema, TV e teatro, por exemplo, em texto que fez para a reedição de “Deus de Caim” (1968) ano passado, desmanchou-se em elogios ao livro, mas nesse mesmo texto sugeriu que “O Salário dos Poetas” seria uma prosa impenetrável.


Em “Os Semelhantes”, quatro personagens centrais se alternam como narradores, ao contar uma história cheia de sofrimentos e resignações, porque é assim que tem sido a história da própria humanidade desde que o mundo é mundo. Abre-se uma porta com tramela mais simplificada para se adentrar nas letras torrenciais do autor. Impossível não se envolver, mas dificílimo tomar partido por este ou aquele personagem, dado o carinho e a isenção com o qual são tratadas pelo autor, as criaturas que criou. O maniqueísmo barato e vulgar estão a milhões de quilômetros do estilo ‘dickiano’. Isso parece cheirar a um certo respeito ou consideração para com o leitor, estranhamente, já que o escritor não costuma fazer concessões a quem o lê. Simplesmente escreve suas histórias do jeito que bem entende.  

Filho de garimpeiro, morou e andou por várias regiões de Mato Grosso, Ricardo se mostra muito a vontade, como em todas as suas obras, para falar da morfologia e da paisagem mato-grossenses. Dotado de um poder de observação espetacular, consegue registrar e superlativar os significados que a natureza (o rio, as serras, os vegetais), seus habitantes (o pássaro e seu canto onomatopaico) e o próprio universo (a lua a fazer caretas e Deus, onipresença em sua obra) imprimem às pessoas mais simples e aparentemente desprovidas de cultura.

Dicke e Adélia
Lembro-me de certa vez, ter indagado sobre como essa gente distante do acesso cultural e das lides doutoras, que costuma identificar a maioria de seus personagens, poderia contracenar com a erudição voraz que sempre aflora em seus livros. Ele esboçou um leve sorriso e respondeu perguntando se eu achava que toda a cultura do mundo emanava apenas dos livros e de ambientes doutos. Arrematou dizendo ter conhecido na sua infância um coveiro portador de uma invejável sabedoria. Um livro como “Os Semelhantes”, pois, desnuda o autor que viveu entre essas pessoas rudes, assuntando-as, e que também mergulhou nessa coisarada toda de Goethe, Cervantes, Baudelaire etc etc...


Pauta apaixonante
Fica uma vontade imensa do resenhista de escrever mais e de provocar a curiosidade do leitor, para que este experimente a obra recém lançada de Ricardo Dicke. Fica a vontade de contar a história toda de “Os Semelhantes”, mas isso não seria de bom tom, porque muita gente não gosta de ouvir de outrem o final da coisa. Prefere saber pelas suas próprias retinas. E eu também não poderia contar o final mais finalzinho da história, porque ainda nem cheguei lá. Me faltam vinte páginas, que estou economizando e lendo bem devagarzinho. Que pena ter que terminar o livro. Então, termino a resenha primeiro.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

“Sapatinhos Vermelhos”, é um filme produzido em 1948 que surpreende. Noites adentro em casa ficamos a procurar, zapear e garimpar bons programas e filmes... não é fácil, as possibilidades que nos oferecem são poucas e trabalhosas.  Vez ou outra, nos deparamos com requintes da sétima arte. Tudo bem, existe o academicismo em torno disso, que quer estudar, elucidar, esclarecer ... para nós é o prazer de ler, ver, ouvir, apreciar... Ah, e se houver emoção, muito melhor.

Pouco importa ligamos a TV  e nos deixamos levar, principalmente, pelos aspectos sensoriais que as artes nos provocam.

Quando se trata de literatura, a história é outra e nem entraremos nessa seara. Hoje a conversa é se deliciar pela força imagética que fixa nossas retinas e a sonoridade que nos hipnotiza. Nem precisaria dizer que o musical é o nosso gênero preferido em matéria de cinema.


Ela não sabia da maldição


Putz! quem diria que um filme tão antigo, sobre o qual não tínhamos referências (ou talvez tivéssemos) mexeria tanto com nossos sentimentos.



As informações sobre a programação, que a sky oferece aos assinantes que pagam caro, são cretinas e nos convencem. Nos primeiros minutos de filme, inevitável a comparação com “Cisne Negro”, premiado e aclamado em recentes festivais mundiais. Com meia hora de filme, mais ou menos, estávamos totalmente envolvidos e disse: que “Cisne Negro” que nada...  “Sapatinhos Vermelhos” é muito mais esplendoroso!


Não se trata de desmerecer “Cisne Negro”, trata-se de reconhecer a obra concebida e realizada pelos dos diretores Michel Powell e Emeric Pressburger. Uma parceria que se destacou na história do cinema e que precisaria ser massificada, vista e revista. Eles se uniram nos anos 30. Powell era diretor e Pressburger roteirista. Compartilharam os créditos nos quase vinte filmes que produziram, algo que não é muito comum. Já ouvi dizerem que os irmãos Ethan e Joel Cohen (“Fargo” e “Queime depois de ler”) se dão tão bem porque são que nem um cineasta de duas cabeças. Powell e Pressburger já eram isso, creio.  


Michael Powell


 “Sapatinhos Vermelhos” é um exemplo de inovação e de experimentação. Um libelo à estética da visualidade tendo como ponto de partida o domínio da técnica. Filme que combina drama, romance e música; baseado em conto de Hans Christian Andersen, escritor dinamarquês que conquistou o mundo com suas incríveis histórias infantis. Vale aqui o registro de mais uma mancada da sky, que classifica o filme como infantil... quaquaqua... Pois ele pode ser baseado numa história infantil, mas sua narrativa e a abordagem do tema passam ao largo desse gênero. Classificaram o filme sem assisti-lo. Povo ruim de serviço.


Conquistou dois Oscars e um Globo de Ouro. A força dos personagens merece citação, graças ao notável desempenho dos atores. Cometerei o pecado de não mencionar aqui ninguém do elenco. Vale mais realçar o final de extrema dramaticidade que o filme traz e o curioso fato de que Martin Scorsese (“A Ilha do Medo” e “O Aviador”) diz que este é o seu filme preferido.



Amor não combina com dinheiro?

Amor não combina com arte?



   




terça-feira, 21 de junho de 2011


Vista de Cuiabá, Dalva de Barros (1966)

As praças públicas eram o que são hoje os shopping centers, as boates, os barzinhos. As cidades nasceram a partir das praças. Difícil de acreditar e impossível de negar: as metrópoles se construíram e se estabeleceram a partir de uma praça, seu umbigo, para dali se irradiar as ruas, vias, malhas, conjuntos residenciais e comerciais, bairros, distritos, o tal do tecido urbano.

Em Cuiabá não foi diferente. Os cuiabanos(as) das antigas sabem o valor que esses espaços embrionários representaram para a sociedade nas décadas de 50 e 60. Era ali onde aconteciam os grandes negócios (compra e venda de terras, fazendas, gado...), política e politicagem e principalmente onde corria solto os disque-me-disque da cidade (a fofoca, a maledicência). Nenhum fato sucumbiu ao poder da praça, ela era rádio, TV e jornal, por e através dela a notícia se difundia, à toda.

Coreto, palco da praça

Nos finais de semana era o palco do flerte, da sedução (muito recatada) e do galanteio. As moças, em turma, rodam a praça à procura de um casamento; os rapazes, também em turma, rodam em sentido contrário, em busca de farra, de se mostrar (coitados, estão à beira de um namoro, noivado seguido de casamento).

Praça Alencastro

Destaques das praças: O coreto, local onde bandas da polícia e exército se apresentavam sob o a batuta do Mestre Albertino, e a fonte luminosa (linda, colorida) espargindo minúsculas gotas de água, refrescando o já famoso calor cuiabano e o calor da bacurinha. Naqueles tempos não havia essa história de “chapinha” e o “burrifo” da fonte não “estrovava” o penteado da mulherada. Ah, pipoqueiro e fotógrafo também eram figurinhas carimbadas. As Praças Alencastro, Ipiranga e da República eram os points. Creio que devia de ter distinção social, não sei.


Praça da República e o Gogó da Ema


Praça Ipiranga 

Nos anos setenta, quando a rivalidade entre Cuiabá e Campo Grande era ferrenha e tudo era um Estado só, um cuiabano, para justificar que Cuiabá era melhor que Campo Grande, saiu com esta, carregando no sotaque: “Campo Grande não tem nem jardim pra gente passear”.

Os fatos que relatamos não chegamos a vivenciar. São histórias que nos contaram. Quando chegamos a Cuiabá a moda era ir à missa, depois ao Cine Theatro, Bandeirantes ou Tropical, um sorvete no Seror e depois ir ao Bar do Beto, a sensação do momento. Mas isso já é outra história.

O Centro Histórico de Cuiabá. O escoamento da nossa história pelo ralo segue firme por esse pedaço mais antigo da cidade. O cheiro do ralo, aquele bom filme, tem a ver com o que presenciamos ao caminhar por essa região urbana. Durante o dia, até que passa. O comércio forte e o formigueiro humano meio que mascaram a feiúra e sujeira do lugar e a incapacidade do poder público de organizar aquilo ali.



Centro Histórico

Mas, a partir do lusco fusco, tudo se transforma para pior. Ontem precisamos caminhar por ali, por volta das 19h30. Dá até medo e a possibilidade de ser assaltado não é desprezível. Se você quer um lugarzinho pra petiscar, bebericar um chopinho ou um sorvete, que seja, não tem. Uma padaria para comprar algo, necas de pitibiriba. Só o que tem são táxis e ônibus pra você se mandar dali. O único que ainda resiste bravamente é o pipoqueiro.

Lembro-me que entre 2005 e 2006, algumas iniciativas foram feitas para revitalizar o pedaço. Um projeto, o “Siriri na Praça”, trazia grupos de cultura popular para se apresentar numa pracinha ali no final da Cândido Mariano, todas as quintas ao final da tarde. Cheguei a ver gringos e transeuntes parados e apreciando o folguedo com gosto. Os cuiabanos antigos chegavam a se emocionar com a coisa. Claro que o projeto não teve sequência.

Fico pensando quando chegar a Copa do Mundo de 2014, mas a Fátima sugeriu que não fossemos por esse lado. Gostou mais quando eu disse que uma cidade, assim como os seres humanos, precisa envelhecer com dignidade.



Centro Histórico desmoronando

Claro que os tempos são outros e voltar pro passado é coisa daquela antiga série de TV, “Túnel do Tempo”. Mas o respeito e o cuidado com o pedaço que foi o embrião desta terra, desta cidade calorenta, é bom e a gente gosta. Não é mesmo, bugrada??!!


segunda-feira, 20 de junho de 2011


“Goiaba na laranjeira não dá peixe frito sem flor”. Vá entender... É um ditado cuiabano que não quer dizer coisa alguma. Dá o que pensar e só por isso já vale.

A gente ouve, lê, fala e constata as mudanças que ocorrem na nossa língua. Expusemos isso outro dia, em relação ao livro adotado pelo MEC. A incorporação e adoção desmesurada de expressões estrangeiras... É uma boa? O que pode resultar disso? A língua é um patrimônio cultural. Aprendemos que uma forma de se firmar enquanto invasor ou colonizador é incorporar seu idioma na cultura do colonizado. A opressão proíbe a prática e o ensino do idioma original, subjugando toda uma população. Dizem por aí que a língua é algo vivo. Temos dúvidas em relação a nossa estar tão viva assim. Pode estar, mas parece não ter muita sagacidade.

Cada dia é uma expressão nova. As palavras técnicas, principalmente as da tecnologia da informática, são adotadas quase que instantaneamente, sem constrangimento, porque o mundo se comunica assim: net, notebook, mouse, pendrive, datashow e assim por diante.  A gente já convive faz horas com slides, flipshart, happy hour, night, diet, light e saímos correndo porque tal loja está em fazendo um  sale da coleção de outono e  outra inaugurou uma outlet.

Tempos atrás era fácil encontrar escrito nas paredes dos armazéns, do Brasil e nos bolixos cuiabanos, frases “vendas a atacado e a varejo”. Demorei a entender essa expressão, tão comum no comércio, mas complicada para o entendimento de criança. Imaginava o vendedor atacado, atacando os clientes, ou “tacando” as coisas para fora da loja. Varejo, imaginava moscas varejeiras, muitas... voando, zunindo buscando um lugarzinho pra assentar. Depois de um tempo soube que o atacado vende em quantidade, geralmente para revender a varejo. Reconheço hoje que o “Atacadão” ajudou-me a ter clareza sobre esse conceito.



Hoje em dia, pra se vender, não em quantidade, mas para um monte de gente, adotou-se o modelo americano dos shopping centers. Antigamente era galeria.  As empresas que querem vender em quantidade adotam termos chiques e que causam impacto, como magazines, store e pret-a-porter.





Isso acontece em todo o mundo? É tão normal assim? Não sei não. O Paraguai, por exemplo, nas suas escolas públicas ensina o Espanhol e o Guarani para as crianças. Os mexicanos, como os franceses, são resistentes em incorporar expressões americanas. Os países de língua espanhola conseguiram que os teclados de computadores tivessem a tecla ñ.




Aqui no nosso dia a dia vamos nos comunicando naturalmente com essas palavras e expressões importadas. Quer ver?  Aos domingos, dias sempre chatos, assistimos ao “Manhattan Conection”, programa de TV com jornalistas bem informados e inteligentes. Direto de Nova York, porque não é correto escrever Nova Iorque, segundo regras jornalísticas.

Outra... telefonei pra uma TV e uma pessoa querida atendeu. Reconheci a voz e arrisquei um “trote”, só que do outro lado também reconheceram minha voz, que favoreceu um contra ataque, demais de sagaz. Eu disse: “Aqui é o Nezinho do Jardim Vitória... é que caiu um poste aqui perto de casa...”. Fui interrompido bruscamente: “Então, muda pro Alphaville, que lá não cai poste”.


Encerramos este post com Ibrahim Sued, pioneiro do colunismo social brasileiro,: “Sorry periferia”, “Ademã que eu vou em frente”.

Venha provar meu brunch
Saiba que eu tenho approach
Na hora do lunch
Eu ando de ferryboat
(Samba do Approach, Zeca Baleiro)