domingo, 31 de julho de 2011

Ventos de agosto


Éolo, senhor dos ventos, com Vênus
Depois da meia noite deste domingo inicia o fatídico o mês de agosto. Agosto mês do desgosto, agosto mês do cachorro louco, agosto mês dos infortúnios, agosto mês dos ventos. Vai um pouco de superstição nessa conversa, mas há fundamentação científica.


É um mês porreta aqui prá nós da região central do país. É quando a escassez de chuvas começa a interferir diretamente sobre o meio ambiente e no bem estar e saúde da população. O ar com baixíssima umidade e o aumento considerável de partículas em suspensão (poeira e picumãs se escancaram) leva muita gente aos hospitais, principalmente crianças e idosos. É nessa época que as queimadas urbanas e rurais se intensificam. Em Mato Grosso esse problema se avoluma. Por aqui, em junho, foram registrados 787 focos de calor, segundo INPE. E neste mês piora. O estado segue firme com o título de campeão brasileiro de queimadas.
O vento de agosto é danado. Redemoinhos de poeira aqui e acolá são comuns, ainda mais quando a gente pega uma estrada onde a vegetação foi retirada. O vento de agosto é perigoso, ele é um baita dispersor de poeira e as viroses chegam com força. É preciso também ter cuidados com as pipas (papagaios, pandorgas e cafifas), tanto nas fiações elétricas, sem falar no cerol, nem pensar!!!. Parece besteira, mas não é. E tem marmanjo que vai nessa e até vende essa porcaria para a criançada. Pipa tem lugar certo pra se soltar. Soltar pipa pode ter outro significado... Cafifento!!!
Festival de Pipas na UFMT
A mudança drástica de temperatura é algo corriqueiro neste mês. Frentes frias entram do dia pra noite: dormimos nos 40 graus e acordamos com 17. Ninguém aguenta. Apesar desses destemperos de agosto, não é correto afirmar que nem tudo são flores neste mês. O cerrado torna-se garboso e colorido nestes tempos com seus ipês, cambarás, aricás etc... Um verdadeiro festival de cores.

Aricá, by Ruth Albernaz



Agosto é o mês que tem o seu nome inspirado num imperador romano que mandava e desmandava, quando Roma viveu seu apogeu: Cézar Augusto (63 a.C – 14 d.C.). E do imperador romano para os mosquitos. Eles se adentram em nossas casas com força total, e dizem que essa invasão está associada com as queimadas. Queimada é mesmo ruim, hein?!

Outra agonia deste período é o desperdício da água tratada. Francamente... lavar calçadas e ruas com o precioso líquido... “Pelo amor dos meus filhinhos”, conforme diria o locutor esportivo Sílvio Luiz. Tem tanta gente que não tem água tratada nem para beber!!! É um pecado esse hábito, que não sabemos se é ou não proibido, mas bem que poderia ser. Concordamos que é insuportável a secura, mas de nada adianta gastar litros de água lavando uma calçada, se daqui a pouco a secura e a poeira vão bater novamente. Claro, numa cidade onde se pode fritar um ovo no asfalto, você queria o quê?


Outro vacilo é juntar as folhas das árvores que caem em larga escala nestes tempos e botar fogo nela. Como piora a situação essa prática. Aqui no Tyrannus, nossa ex-secretária varria aquilo que chamamos de jardim (que não é suspenso e nem da Babilônia) pra tirar as folhas caídas. Orientamos a moça para que ela deixasse as folhas. Elas, as folhas, seguram a umidade no solo, impedindo que ele fique exposto diretamente ao sol e, como matéria orgânica, ainda contribuem bastante para o enriquecimento do solo. Olha só... aqui em casa a gente até acha bonito essa folharada seca no chão.    
As folhas do jardim da nossa casa...
Portanto, é isso aí. E vamos tomar fôlego pra aguentar o estio que costuma ser duradouro nesta hora. Reza a tradição cuiabana que mais tarde, talvez setembro ou quem sabe em outubro ou mais tardar novembro, vem a chuva do caju. Mas agora é agosto. Presta atenção!!!

Esperando a chuva do caju

"Vô tomá guaraná, tchupá cadju..." (Vera e Zuleiquinha)




sábado, 30 de julho de 2011

Sábado em Cuiabá

Cuiabá, noite de sábado
Esse mundão tá cheio de músicos talentosos que a gente não conhece. São as gratas surpresas que sobressaltam nossos ouvidos e a nossa sensibilidade. Essa era a expectativa em relação ao “duo” formado por Oswaldo Amorim (violão e guitarra) e André Paulo Tavares (baixo e cia.), que conquistou algumas dezenas de pessoas no jardim do Sesc Arsenal. Uma sonoridade limpa e envolvente, de pegada jazzística.   O Tyrannus foi, assistiu e gostou. Caiu beleza em nosso sabadão.

Entrosadíssimos. Oswaldo e André são cariocas, mas não perguntei se torcem para um mesmo time. Estão radicados em Brasília, onde são professores de música. Ambos têm mestrado em Nova York. Tocam juntos lá se vão uns quinze anos. Com tanta coisa em comum, pode parecer estranho, mas para definir a performance da dupla, a palavra xifopagia serve. Quem ganha com isso é o público. Não é segredo pra ninguém que quando dois ou mais musicistas se unem, harmonia é palavra mágica.


Não morro e nunca morri de amores pelo jazz. Só posso dizer que gosto desse tipo de música, uma porta aberta para improvisos, e praia boa para instrumentistas virtuosos. Para eu gostar mais, ou menos, de uma apresentação de jazz, o repertório é fundamental. Gosto quando os músicos alternam o autoral com composições mais famosas, que o público costuma conhecer. Acho que isso vale para todos os gêneros e não só para o jazz.


Foi essa mistura de autoral com releituras o que rolou. Curti muito uma música (de um deles) inspirada em Baden Powell e também a que fechou a apresentação, arranjo criado para canção popularíssima do nordestino Alfredo Ricardo Nascimento, vulgo Zé do Norte, “Mulher Rendeira”. Não posso responder pelas pessoas das gerações mais novas, mas, quem tem quarenta, cinquenta ou mais, certamente, já entoou essa música pelo menos uma vez na vida. Também curti a versão deles para “Clube da Esquina nº 2”, de Milton e Lô Borges.

Alfredo Ricardo Nascimento = Zé do Norte

Os shows no jardim desse lugar, onde somos habituês, já vem com o certificado de garantia de um astral agradável. Apesar do caráter intimista do jazz, que costuma soar melhor em espaços fechados, houve grande empatia. “Maaanhêeee...”, gritou um pimpolho durante a apresentação, mas isso em nada atrapalhou. Chamou também a atenção uma videomaker mirim que ficou alguns minutos gravando o show com um aparelho celular. “Nós estamos tocando músicas complicadas, mas estamos tocando com o coração”, disse Oswaldo, num intervalo entre as músicas.  Sua fala, cheia de sinceridade, reportou direitinho a ocasião.


Oswaldo e André estavam em Cuiabá desde a terça passada, trabalhando num projeto de intercâmbio musical. Eles ministraram uma oficina gratuita de terça a sexta-feira, que contou com 12 músicos de Cuiabá. “Um baixista chamado Lael me impressionou muito. Um garoto de 12 anos, violonista, também mostrou que é muito bom”. Foi a resposta de André à minha pergunta sobre o que ele tinha achado da oficina.
Então é isso, moçada. Assim foi o nosso sabadão. Sei que teve um outro sabadão, este sertanejo, lá pras bandas da Chapada dos Guimarães, com o Daniel. Sobre esse eu nada vou dizer. Não vi, não sei, mas não tenho raiva de quem sabe, porque o preconceito é coisa muito feia. 



quinta-feira, 28 de julho de 2011

Fados


Canto de nossa tristeza
Choro da nossa alegria
Praga que é quase uma reza
Loucura que é poesia
Um sentimento que passa
A ser eterno cuidado
Em razão duma desgraça
E assim tem de ser, é fado
(Canção Fado dos Fados)

Compartilhar é um ato de alegria. Estamos sensibilizados, felizes com o filme “Fados” (2007) de Carlos Saura, que sempre estamos reprisando que queremos repartir com vocês. Quem não assistiu, procure ver e aos que assistiram, um brinde.

O fado é o orgulho dos portugueses, representa sua alma. É cantado por uma pessoa (fadista) acompanhada de um violão e de uma guitarra portuguesa, suas letras falam do mar, da gente simples, de saudades, nostalgia, ciúmes, destino.


Quanto a sua origem há controvérsias, pode ter vindo das melancólicas cantigas dos mouros; ou da união da “modinha”, composição suave, romântica e chorosa, com o “lundu”, trazido pelos escravos brasileiros à Lisboa (que introduziu batuques lascivos). E ainda há a teoria da origem vir dos trovadores e jograis. O fato é que o fado nasceu em Lisboa e foi à Coimbra pelos universitários. Dessa divisão surgiram dois estilos distintos: o fado de Lisboa que é vadio e escondido; e o de Coimbra que é sentido e choroso.

A primeira vez que assistimos Fados, não foi aquela coisa toda. Claro que ficamos embasbacados com o primoroso trabalho do cineasta espanhol. Cores, luzes, transparências, sombras, sobreposição de imagens... E a história do fado vai se desenrolando musicalmente, quase sem falação. Só cantoria, instrumentos afinados dialogando e danças. O aspecto visual bateu forte, mas o fado em si, não pegou muito. Imagino que não se trata de um tipo de música pra se ouvir sem abrir o coração e sem reparar nas nuances harmônicas e a riqueza melódica proposta.

 

Saura na direção


E lembrar que a primeira vez que assistimos Fados, sugeri que ele poderia funcionar como uma vassoura atrás da porta, o velho truque para espantar visitas! Ouvir fado é lembrar de Portugal. Um dos mais deliciosos capítulos da experiência europeia do Tyrannus. Um dia, andando por Lisboa, fomos parar na frente do Museu do Fado. Cometi o sacrilégio de refugar a visita, um gesto imperdoável. Daqueles pra se arrepender pelo resto da vida.

Posando


Hoje dói, o arrependimento. A partner me consola: “A gente tem que se arrepender de algumas coisas na vida”. Eu continuo: “Uma vida sem erros não é humana. O grande lance do erro é o exercício de reconhecê-lo”. “Voltaremos a Portugal e você repara essa falta”.

Fados, eu diria, foi a minha iniciação nesse gênero musical. Alguns críticos detonaram com o musical. Dizendo que o fado é muito maior do que o que foi mostrado. Certamente. Como há a participação de cantores e músicos de vários países de língua portuguesa, lá estão Toni Garrido, Caetano e Chico Buarque. Parece que não se saíram muito bem. Lemos que só Chico se salvou. Não vamos entrar nesse mérito. Mas há momentos belíssimos neste documentário, que está muito mais pra musical, segundo nossa opinião de iniciantes no fado.

Caê, do Brasil
  
Lura, de Portugal/Cabo Verde 

O filme faz parte de um pacote que também inclui “Tango” e “Flamenco”.  Não é de se duvidar que “Flamenco” deva ser o mais significativo, já que Saura é espanhol. Mas, além de ter nascido na Espanha, ele é um cineasta de projeção internacional, que assinou produções como “Cria Cuervos”, “Ana e os Lobos” e “Mamãe faz cem anos”, entre outros. Sua obra representa um conjunto respeitável.

Há uma teoria nas artes (especialmente cinema e literatura), segundo a qual o artista não deve discorrer (escrever ou filmar) sobre aquilo que não domina. Não sendo Saura um português, talvez não fosse ele o cineasta ideal para assinar documentários sobre fado e tango. E talvez, por causa dessa mesma teoria, “Buena Vista Social Clube”, dirigido por Wim Wenders seja muito ruim (????!!!!!).

Amália Rodrigues, do Fado
Depois de assistir ao filme ou uma apresentação de fado, se te perguntarem o que é o fado, a canção “Tudo isso é fado”, ajuda a responder.


Almas vencidas
Noites perdidas
Almas bizarras
Na mouraria
Canta uma rufia
Choram guitarras
Amor ciúme
Cinza e lume
Dor e pecado
Tudo isso existe
Tudo isso é triste
Tudo isso é fado.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Olhar de René Magritte


Le Blanc Seing
René Magritte mudou a nossa forma de ver o mundo, objetos e paisagens cotidianas. É a arte fora do tempo e lugar, expandindo o conceito de realidade. Ele personifica o objeto em algo que não é ele mesmo. Magritte dizia que para ser surrealista é preciso barrar da mente todas as lembranças do que foi visto e ser capaz de recriar o que nunca foi. Quando lhe cobravam explicação da obra, ele dizia: “não significa nada, porque o mistério nada significa. Não se pode conhecê-lo”.


Contemporâneo de André Breton, Salvador Dali e Buñuel, Magritte demorou um tempo a ser aceito pelo grupo dos surrealistas, pela vida burguesa e metódica que levava. Um deles disse: “O surrealismo com Magritte é muito mais surrealismo, e René Magritte sem o surrealismo será sempre René Magritte”. “A imagem não mostra a coisa, é só a imagem da coisa. Tudo o que vemos esconde outra coisa, e nós queremos sempre ver o que está escondido pelo que vemos”, citação do pintor que explica, ou pelo menos tenta, jogar luz sobre sua obra.



Magritte invadiu nossas vidas ontem, através de uma reportagem. Tá rolando uma exposição bem ali, no Tate, em Liverpool. Foi praticamente impossível não linká-lo aqui. Revendo Magritte e pesquisando sobre sua obra, reencontramos uma tela que nos remete ao assunto que matutamos, para hoje. Uma maçã no rosto de um homem. Sim, temos maçãs na face. Duas, uma de cada lado.


The son of man
Não sei bem se é surrealismo, mas acho que tem um pouco disso. Temos também duas meninas dos olhos, as pupilas que nos ajudam a deleitar Magritte. Da boca pra dentro, por onde sai nossa voz, há uma campainha. Ou úvula, como queiram. Há, ainda, um céu, ou palato. Descendo da cabeça chegamos ao pescoço, onde fica o gogó ou pomo de adão. Vai saber a origem de tais denominações. Dizem que é bíblica. Adão se engasgou com alguma coisa, acho que testosterona.


The false mirror

Continuando nossa conversa sobre nominações diferentes para as partes do corpo humano, chegamos à altura dos ombros e toda sua ossatura. Por ali tem um lugarzinho, com justiça, chamado de saboneteira, mas só no caso das pessoas magras. Os gordinhos estão mais pra pneuzinhos, que ficam linha da cintura. Nessa altura tem ainda a bacia, ou pélvis (pélvis é latim e significa bacia). Depois de uma certa idade, é um perigo quebrar a bacia. É nessa região que ficam os aparelhos recreativos e reprodutivos, com nomes “sui generis”, que fica pra um outro post, com classificação indicativa pra 18 anos. E vamos descendo pelo nosso corpo. O que é conhecido academicamente como panturrilha, também é batata da perna...


Sirens

Os amantes


Então fica assim. Magritte cria o inusitado a partir de imagens convencionais e nós exploramos palavras e expressões que se recusam a ter um significado único, por mais que estejam, aparentemente, fora de contexto. Ah, e faltava dizer de um local, no nosso corpo, que merece destaque: a “terra de ninguém” (que fica onde termina um e começa o outro), mas dizem que é lá e nas redondezas que mora o prazer. Porque o pecado mora ao lado!!!


Marilyn Monroe e Tom Ewell

terça-feira, 26 de julho de 2011

Vida crítica

(*)
Hoje a gente vai descer o pau. Vida de crítico, não é mole. É porrada que não acaba mais. A última a querer dar porrada foi a atriz Antonia Fontenelle (esposa do diretor Marcos Paulo) que, ao se deparar com a crítica de Pablo Villaça, sobre o “Assalto ao Banco Central”, não resistiu e tuitou: “Gente quem é Pablo Villaça? Essa pessoa se intitula crítico, tem cara de cearense, percebi que ele quer 5 minutos de fama”. Constrangimento total. Tentaram remendar o soneto, mais a merda foi parar no ventilador. Preconceito a “la brasileira” é assim que funciona, bate e assopra. E o que os “cearenses” tinham com a história... ah, sim, a atriz disse que adora os cearenses e que tem um que trabalha no filme que é fofo.


Às vezes uma crítica publicada (aí já é pública) não converge para o gosto do leitor, espectador de cinema/teatro/TV, gourmet. E aí? Bom, quem escreve uma crítica, acreditamos que tenha predileção e conhecimento sobre o assunto. A opinião, não deveria ser encarada como ofensa. Até porque ninguém é o dono da verdade.

Pablo Villaça "infiltrado"
A crítica é uma prática que deveria ser democrática. A crítica é uma característica da filosofia, ela examina os princípios, a aplicabilidade na vida, inconsistências e só aceita quando, após uma análise crítica, não há qualquer razão para os rejeitar. A dona filosofia, como sempre, jogando sua luz sobre a complexidade humana e as criações que dela surgem.


Roger Ebert
O crítico de cinema Roger Ebert escreve para mais de 200 jornais, é autor de 15 livros e tornou-se o primeiro crítico de cinema a receber o Premio Pulitzer da Crítica. Eber diz que muita gente não sabe o que significa ser crítico, que as pessoas acham que o crítico é uma pessoa que critica, que são desagradáveis, ciumentos, cansados e amargos, que querem parecer superior a todos os outros, que são impossíveis de agradar, que não entendem o gosto das pessoas comuns, que gostam de arrasar o trabalho dos outros, porque não podem e não conseguem fazê-lo, então criticam. O mundo seria melhor sem eles.


O filme “Crime Delicado” (2005) dirigido por Beto Brant, baseado no livro homônimo de Sergio Sant’Anna, conta a história de um crítico teatral que se apaixona por uma atriz de teatro, que é apaixonada e musa de um pintor. A moça nada convencional, não possui uma das pernas, desperta paixão pelo cínico e frio jornalista. O ator Marco Ricca, na pele desse personagem, encarna um crítico que vive às voltas com seus fantasmas e pesadelos, massacrado pela complexa função.




Ter um chilique por conta de uma crítica negativa é comum no meio artístico. Assisti a um show do Caetano no Rio, em Madureira, há muitos anos. Ele tinha sido alvo de comentários nada elogiosos de um jornalista do JB. De repente, no meio do show, Cae para de tocar e diz pra plateia: “acho o Jornal do Brasil uma bosta”.


Aqui em Cuiabá o pensamento e a prática do texto crítico passam ao largo. Até mesmo as resenhas, que ousaremos definir aqui como críticas simplificadas e que se resumem mais numa opinião pessoal, são algo raro de se ver na imprensa. Essa é uma enorme lacuna no contexto da cadeia cultural mato-grossense.


* Tinhorão
Em 2005 participei de um evento sobre jornalismo cultural. Maurício Kubrusly e JB Medeiros estavam entre os convidados. Conversei bastante com o Medeiros e ele me disse que é imprescindível a figura do crítico em qualquer meio cultural. Narrei-lhe das dificuldades de se fazer crítica numa cidade ainda com moldes provincianos, como Cuiabá, já que o crítico profissional não deve ter relações com os criadores do objeto de seus textos. Ele me olhou bem nos olhos e disse algo mais suave do que um “foda-se”, mas com o mesmo significado.


O crítico animado Anton Ego

Para muitos o discurso do crítico gastronômico, Anton Ego, personagem da animação Ratatouille, condena e absolve o crítico: “De várias maneiras, o trabalho de um crítico é fácil. Nós arriscamos muito pouco e, a despeito disso, desfrutamos de uma vantagem sobre aqueles que submetem seu trabalho, e a si próprios, ao nosso julgamento. Nós nos refestelamos escrevendo crítica negativa, que é divertida de escrever e de ler. Mas a verdade amarga que nós, críticos, temos que encarar é o fato de que, no grande esquema das coisas, até o lixo medíocre tem mais significado do que a nossa crítica assim o designando. Mas há momentos em que um crítico verdadeiramente arrisca algo, e isso ocorre na descoberta e na defesa do novo. O mundo é muitas vezes cruel para novos talentos, novas criações, novos amigos, necessidades. Nem todo mundo pode se tornar um grande artista, mas um grande artista pode vir de qualquer lugar”.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Tenho medo

Tenho medo de atravessar ponte!(E. Munch)
Às vezes somos tomados pelo medo de sei lá o quê.

Dizem que nascemos com dois medos: de cair e de barulho. O resto é adquirido. Dizem ainda que o medo é o grande inimigo do homem: ele está por trás do fracasso, das doenças e das relações desagradáveis.

O medo é uma reação que acontece no cérebro. Inicia com estímulo de estresse, daí vem uma overdose de compostos químicos que aumentam a frequência cardíaca, aceleram a respiração e enrijecem os músculos. Tudo isso, com a finalidade de nos ajudar. Sim, ajudar a sobreviver. O medo (e a reação de luta ou fuga) é um instinto animal.

O medo normal é bom, pois nos informa a possibilidade de que pode ser melhor não fazer algo, que as condições nos indicam e conduzem a consequencias indesejadas. O medo é problema quando ficamos naquilo que não queremos que aconteça, ou seja ficamos sem opção e sem ação.

Tenho medo de sentar na boneca!
Sou medrosa, desde criança. Não era nem um pouco raro sair do meu quarto e ir dormir entre o meu pai e minha mãe, até grandinha.  Meu maior medo é de lugares escuros, por isso não me incomodo em dormir com luz acesa, TV ligada... mas tem gente que se incomoda, aí temos que nos adaptar. Deixo sempre uma frestinha com luz entrando no quarto; ou coloco uma luz azul, que incomoda pouco, e aproveitamos os efeitos cromoterápicos.

À noite (como o medo se intensifica à noite!), tinha medo das bonecas que minha mãe insistia em arrumar no meu quarto. Pareciam ganhar vida, via suas boquinhas mexerem, olhinhos piscarem.... Aí vinha aquela coisa tomando conta: vontade de correr e de chorar. Ganhava sempre as duas: correr em disparada e chorando, buscando a segurança que a presença e a cama quentinha dos meus pais me oferecia. Suponho que uma das causas tenha originado das histórias que eu adorava ler, cheias de bruxas, duendes, animais ferozes, ambientes inóspitos. Acho, não tenho certeza. 


Tenho medo de Loretta!!!

Vivenciar o medo é daqui pra ali neste cotidiano de criminalidade nunca visto. Certa vez, no Rio de Janeiro, subia uma rua deserta e decidi parar numa esquina mais movimentada, à espera de um táxi que haveria de aparecer. Percebo, então, que descem a rua em minha direção três tipos. Rapidamente meu cérebro começa a alardear. “Será que, pela primeira vez na vida, serei assaltado?”. Eles se aproximam e meu estado de nervos se esfrangalha. De repente, quando estão a uns cinco metros, eis que entre nós cruza a calçada uma imensa ratazana, rápida e rasteira, que logo desaparece numa boca de lobo. Cabe aqui o registro de que nesses tempos, os bueiros da capital carioca ainda não explodiam.

Tenho medo de bueiros!!!

Os três carinhas, nos quais, injustamente, depositei desconfiança, levaram um susto fenomenal. Um deles chegou a dar um incrível salto. Coisa que nem o cinema consegue capturar. Eu, às voltas com meu medo momentâneo, petrificado, nem me assusto com a ratazana. Todos nós, em seguida, caímos na gargalhada. “É nessas horas que a gente vê o homem!”, sentenciou um deles.

Ter medo é inerente ao ser humano, mas expressá-lo em determinadas situações pode ser uma tremenda mancada. Quem não se lembra da Regina Duarte, ex-namoradinha do Brasil que, na véspera da primeira eleição do Lula, fez um depoimento na TV? Não é que a infeliz se pronunciou como porta voz de um partido político dizendo: “Eu tenho medo de Lula”. Quá, quá, quá... Logo a frase foi parodiada (Eu tenho medo de Lula”) e virou piada na boca do povo: “Eu tenho deeedo de Lula”.
Tenho medo de otorrinolaringologista!!!!


Tenho medo de chupacabra!!!!



sábado, 23 de julho de 2011

Back to Black

Sábado é dia de acordar tarde. E preparar um rango mais caprichado. Estávamos cumprindo a regra e surge uma daquelas notícias universais que dominam a mídia. Perplexos, vamos acompanhando o noticiário em torno da partida da cantora/personagem que idolatrávamos. Amy Jade Winehouse se mandou. Os noticiários da TV ficaram repetitivos nas imagens e sons. Volto pra cozinha e o gás acaba. É isso, primeiro a Amy depois o gás (tem um significado aí a ser decifrado).  Enquanto esperamos o gás, colocamos pra reanimar e reabilitar do baque o primeiro show que gravamos: Amy Winehouse – Live at Sheperd’s Bush (2007), que, óbvio, assistimos dezenas de vezes antes e promete voltar sempre.
A iniciação com a Amy foi através do Nelson Mota, que é um cara antenado, sensível, um bom gosto incrível pra música. Ele indica e não titubeamos, vamos atrás. O CD rolou muito, se fosse na época do vinil podia dizer que tava quase furando. Foi muito Rehab, Back to Black, You know I’m no Good, na veia.





Temos um gosto parecido. Apreciamos artistas e músicas semelhantes e compartilhamos inúmeros filmes e livros. Mas a Amy era mais do que isso. Éramos, éramos uma ova, somos ‘fanzaços’ dessa londrina de voz inconfundível, doidona, estilosa, de origem judia e negra, que abalou o mundo com seu talento e seu jeito despojado de ser.

Além de intérprete destemida, compunha. Suas letras autobiográficas são engraçadas e dramáticas, autênticas e originais. Ela parecia debochar dos próprios desatinos que a vida lhe impunha. Gostava de beber, de fumar e de muchas otras cositas mas. Dizem que essa postura, comumente classificada como autodestrutiva, foi o que a levou para a outra dimensão. Não duvido. Curiosamente morreu aos 27 anos, a mesma idade com a qual zarparam Jim Morrison, Jimy Hendrix, Kurt Cobain, Brian Jones e Janis Joplin.
Imagino Amy entrando no céu... Dá licença, São Pedro?




sexta-feira, 22 de julho de 2011

Silêncio: há um anjo...


Silêncio: há um anjo
Nos propomos (não me lembro disso), mas conversamos (nas alturas das horas), uma vez. Não. Várias, depois de várias bavárias; recuerdo (otro día: olvidado): o Tyrannus não é e não será um “ser” factual. Final de noite!




Falando sério. Não somos, não fazemos parte, não queremos ser e porque não há porquê ser. Seguinte, muita coisa que acontece/ou aconteceu/ou está para acontecer e não tem visibilidade porque está na periferia, não territorial, mas no experimentalismo e na vanguarda e das ideias. Outras não são notícias porque são “biscoitos finos” demais e foi decidido que isso não serve para o “povão”. As agências de notícias e seu jornalismo ditatorial decidem o que é notícia. Tudo que é informação é filtrado e pasteurizado por elas. A receita do seleciona, copia e cola está esgotada, extenuada e enfastiou.

Tem tanta coisa bacana no mundo, na nossa mente efervescente (feito um sonrisal), que optamos por singrar essa imensidão... indo para o nonada. A falta de assunto é um tema recorrente. Isso é um fato. Não somos santos! Recorremos sim a fatos, mas por um motivo quando achamos que vale a pena.

Final de noite
Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas... Sim eu sei, você também tem algo a dizer, mas lhe foge a lembrança. Ser ou estar sem assunto. Prefiro dez mil vezes estar sem assunto. E claro que fico assim, mas nem sei quantas vezes. Não sei se por hora, por dia, por semana... Posso dizer que as ocasiões em que fico realmente sem assunto, em nível de estatísticas, teriam algum registro merecido numa frequência mensal. É que tenho meus truques. Por exemplo, antes de ficar sem assunto, fico repetitivo.


Essa história de ficar sem assunto tem a ver com constrangimento, às vezes. Conforme a pessoa, dá até pra corar. Corar... Parece verbo apropriado para a literatura contemporânea que se encontra naquele estado de estar deixando de ser contemporânea e ficando pra trás. Tenho visto pouca gente corando e nem reparo mais se os personagens dos livros que leio adquirem aquela vermelhidão facial entregadora.


A não ser a careca do professor Manuel de “Trapo” (livro do Cristóvão Tezza), quase nada tem enrubescido nessa minha vida onde ficção e realidade se irmanam. Opa, opa... O Robertinho Boaventura, nosso colega de coral, corou nesta sexta-feira. Foi flagrado pelo regente numa comunicação paralela no meio do ensaio.

Nos anos 80, passeando pelo Baixo Leblon com um primo, resolvemos azarar umas minas que tavam por ali. Naqueles tempos eu ainda não conseguia dissimular minha timidez muito bem. Estava assim ‘mareado’ e, o pior de tudo: sem assunto. Então, meu primo, proprietário de uma imensurável expansão comunicativa, estava obtendo progressos notáveis com uma das minas. E eu patinando com a outra, sem assunto. A certa altura da conversa ela disse pra mim, pra amiga e pro primo, olhando-me: “já é a terceira vez que você pergunta meu nome”. Tóooiiimmmmm! Tomei no olho.

Antigamente trabalhei na assembleia legislativa de MT e achava graça reparando nos trejeitos dos deputados pra se inteirar nos diferentes ambientes e nunca “desassuntar” com ninguém. Porque o voto é obrigatório, então né...

A comédia da vida legislativa
Anos depois, numa viagem em Juína, reencontro com um deputado e pressinto aquela situação: o cara me viu, me reconheceu, mas não sabia de onde. Fiquei quieto (não vou ajudar esse sujeito), vou esperar pra ver qual ia ser a dele. “Como vai o mano?”, indaga balançando a cabeça positivamente e apertando minha mão. Sinto uma alegria quase sanguinária por dentro (não, não corei), mas mantenho meu comedimento. “Ah, meu irmão mora no Rio de Janeiro há uns vinte anos... Quase nunca vem aqui”. Nossas mãos continuaram sacolejando por um tempinho ainda, até que algum assunto salvador fosse retomado pelo nobre parlamentar.



4'33...
Precisamos valorizar o silêncio. Nem sempre ele significa falta de assunto. O músico John Cage entende do silêncio. Não é que nesta altura do texto iremos silenciar... Sabe aqueles filmes, aquelas invenções audiovisuais modernas que de tão modernas (tem um ranço de ultrapassado), que têm a cara dos filmes premiados do Sundance Festival, quando de uma hora pra outra

de pura música, by Jonh Cage