segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Rosalvo Caçador


Rosalvo hoje
Cinema é arte poderosa que congrega praticamente todos os outros fazeres artísticos. Desde a última segunda-feira Cuiabá vinha experimentando a maioridade do maior evento mato-grossense do audiovisual. Além de seis ou mais horas diárias de projeção de vídeos, curtas, médias e longas metragens; oficinas, debates, mostras paralelas e outros derivados rolaram na cidade. O 18º Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá virou Cinemato, uma denominação interessante. Nome novo, problema velho: o público que comparece às sessões, no geral, somando todos os dias, não corresponde à trabalheira e ao investimento que rola para a produção de um evento desse porte. Uma pena.

E nem vamos enveredar por esse assunto aqui. Não há a intenção de culpar ou desculpar quem quer que seja. Sobra lamentar e, infelizmente, desconfiar que o cuiabano não gosta tanto assim da sétima arte, pelo menos no que se refere ao cinema brasileiro. “Acompanho festivais por aí e quase sempre as salas estão cheias”, diagnosticou uma mulher que viaja por esse mundo afora e acaba de se mudar pra Cuiabá. Mas, todos os anos, há uma galera que bate ponto e comparece. Como estes blogueiros aqui. Neste ano, por razões profissionais, não sobrou tempo e o Tyrannus só compareceu no último dia.


A Herança, com Rosalvo (1970) 


O Cinemato homenageou Rosalvo Caçador neste ano. Um ator brasileiro das antigas, radicado há décadas em Cuiabá. Rosalvo, entre 61 e 75, trabalhou em mais de 20 filmes, atuando sob a direção de cineastas significativos da cinematografia brasileira como Mazzaropi, Ozualdo Candeias, Walter Hugo Kouri, Zé do Caixão e Carlos Reichenbach. Estava enfatiotado no foyer do Cine Teatro Cuiabá esbanjando simpatia, no aguardo da projeção de “A Herança”, de Ozualdo Candeias, filme de 1970, onde é narrada uma história baseada em Shakespeare. 
Me descobriram...

Festival de cinema sem tietagem dá aquela sensação de que ficou faltando alguma coisa. Se aparece algum ator de cinema, que também mostra a cara em novelas, pronto: o assédio é infalível. Neste ano sobrou para o ator Heriberto Leão, que integrou o júri oficial. Heriberto, gentil e paciente, deixou-se fotografar ao lado de inúmeras mocinhas. Isso só no domingo, mas ficamos sabendo que ele foi assediado diariamente. Neste último dia, veio com um bonezinho na cachola, não sabemos se pra diferenciar o visual, ou pra tentar passar despercebido, mas não deu certo.

Beth Formaggini, premiada com Angeli 24 horas


Uma coisa curiosa que costuma acontecer em nosso Festival é a presença de um público bem maior em alguns filmes prata da casa. Têm vezes que o cinema chega a ficar lotado e, terminado o filme do realizador regional, a plateia desaparece como que por encanto. Que coisa! Ouvi dizer que isso também acontece em outros festivais por aí. Não me parece um procedimento muito adequado, sei lá, parece coisa de torcida organizada e algo assim meio provinciano, bairrista. Ou será que vão só pra votar, porque o júri popular também pesa? Digo isso, porque nem todos os realizadores de Cuiabá precisariam desse artifício para ganhar um troféu. 


Como não acompanhamos o Cinemato em seu passo a passo e não tive saco pra acompanhar a premiação, coisa que sempre atrasa e se prolonga, preferi voltar pra casa, em tempo hábil pra assistir pedacinho de um documentário sobre a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ficou órfã recentemente. A gente aproveita e dedica este humilde post ao Leon Cakoff, idealizador da Mostra e grande entusiasta da sétima arte. E chega de conversa, porque tá tarde e a segundona braba vem vindo.




Os vencedores do Cinemato

Júri Oficial:

VÍDEO
Melhor Vídeo: Elogio da graça
Direção: Pcycle
Edição: Elogio da graça
Prêmio Especial do Júri: Mopo-i: O menino manoki
Fotografia: Mañhana cest carnaval
Roteiro: Rai sossaith
Melhor vídeo mato-grossense: Ao relento

CURTA METRAGEM
Melhor Filme: Depois da queda
Direção: Angeli 24 horas
Montagem: Angeli 24 horas
Fotografia: A fábrica
Interpretação: Fábula das 3 avós
Roteiro: Depois da queda
Prêmio especial do júri: A fábrica
Menção honrosa: Acercadacana
Trilha sonora: Angeli 24 horas
Direção de arte: A obscena senhora D

MÉDIA METRAGEM
Melhor Filme: A musa impassível

Júri Popular
Vídeo: Ferocidade entre a urbe e a flora
Vídeo mato-grossense: Mopo-i: O menino manoki
Curta: Depois da queda
Média: A musa impassível

LONGA METRAGEM
Melhor Longa: Estamos juntos:
Direção: Estamos juntos
Roteiro: Estamos juntos
Interpretação: Estamos juntos
Fotografia: Mãe e filha
Som: Estamos juntos

O crítico Cid Nader trocando ideias com algum realizador


domingo, 30 de outubro de 2011

Cinco dias sem Nora


Filmes que não requerem grande esforço para ser entendidos, e que nada chama tanta atenção em matéria da técnica cinematográfica, mas que valem a pena ser assistidos.  Porque são histórias bonitas e, acima de tudo, bem contadas. Sempre lembrando que tudo que é escrito aqui, ou quase tudo, está impregnado por uma dosagem de opinião pessoal. “Bem vindo” (França/2009) e “Cinco dias sem Nora” (México/2008) são os filmes que fizeram a nossa cabeça nos últimos dois dias e chegou a hora de repassar. É difícil discorrer sobre dois filmes sem comparações, similaridades ou as dissimilaridades.



Em “Cinco dias sem Nora”, dirigido por Mariana Chenilla, o discurso é o passado e Nora, personagem ausente é, talvez, a principal protagonista. Os acertos e erros de vidas em comum são passados a limpo e o presente é ajuste de contas, dos ponteiros do relógio. Na vida conjugal o amor costuma ser subjugado pelas mágoas, dúvidas, descontentamento e tristezas inexplicáveis. Este drama, com leves pitadas de humor, roteiro pela própria diretora, desenvolve-se a partir de uma situação totalmente inusitada que vai colocar em xeque conflitos religiosos e as delicadas relações entre as pessoas.  




Em “Bem vindo”, direção de Philippe Lioret, não há passado. O presente é a preparação para o futuro. Um jovem iraquiano se submete a um longo trajeto por terra e mar para, ilegalmente, tentar chegar a Londres, onde está a sua amada. Na França, em dificuldades para seguir viagem, aproxima-se de um ex-atleta, professor de natação e a relação entre eles é o fio da meada no desenrolar da história. O professor, que separou-se recentemente da esposa, descobre que não foi capaz de caminhar nem dez metros quando a mulher disse que o abandonaria. Vê, então, no exemplo de um jovem inexperiente, que correr atrás do amor pode ser algo recomendável. Ou não!
  
Os dois filmes em questão nos transportam para o complexo terreno das relações humanas. Deixam transparecer que, por mais complicada que seja a situação, dá-se um jeito. E depois, não há mesmo outra coisa a fazer a não ser encarar os fatos e tocar a vida.   





 

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Parna Chapada dos Guimarães


Que maravilha, que privilégio viver a menos de 60 km de um Parque Nacional, no caso o de Chapada dos Guimarães. Visitar uma unidade de conservação, depois de quatro dias confortavelmente instalados, em poltronas macias, ar condicionado a mil, atentos e às vezes nem tanto, às experiências e debates com a participação de uma dezena de experts na área de turismo em unidades de conservação, partimos com 40 congressistas, entre alunos de graduação, professores e empresários, para a mais próxima e bela área protegida de Cuiabá.
O jornalista e ambientalista Marcos Sá Correa diz que os europeus criaram os museus para perpetuar e socializar os  fabulosos acervos produzidos pela inteligência e cultura humana e que o maior legado dos americanos ao mundo foi a ideia dos parques nacionais, que promovem a reaproximação do homem com a natureza, protegendo significativas e importantes áreas, de possíveis alterações provocadas pelo homem.  






O Parque Nacional Chapada dos Guimarães foi criado devido à reivindicação de ambientalistas e de Ongs da região, em 1987. Seus objetivos, de acordo com a legislação, são: “preservação de ecossistemas naturais de relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico”. Essa citação é clara e cristalina como as águas que nascem na área protegida.    
    




Morar perto desse Parque e conviver com essa proximidade requer reflexões. De que forma, por exemplo, as sociedades cuiabana e chapadense se manifestam em relação ao Parque Nacional de Chapada dos Guimarães? Os chapadenses parecem mais envolvidos, principalmente o comércio e a administração municipal, mas com posicionamentos controversos e grotescamente errôneos em relação à sua administração e seus objetivos conservacionistas. Cuiabá, que detém a maior porção da área em seu território, parece não enxergar o Parque como um vetor de oportunidades de negócios, de desenvolvimento intelectual,de lazer e recreação para sua população. Caso o Parque não existisse, muito provável, a especulação imobiliária seria muito mais interessante para alguns setores da sociedade.



Nossa chegada ao Parque foi pela manhã. Fomos recebidos pelo seu chefe e dois analistas que repassaram um pouco da história, das perspectivas de futuro, dos problemas e, principalmente, como aconteceria a viagem técnica, que estava prevista como parte da programação do Congresso de Natureza, Turismo e Sustentabilidade.  


Passeamos pelas trilhas e visitamos cachoeiras e locais de rara beleza durante quatro horas aproximadamente. Uma canseira braba, mas sempre amenizada pelas refrescantes águas e as cachoeiras aliviando a tensão. As paisagens espetaculares e os detalhes da fauna do cerrado completavam essa experiência única, que brota desse contato respeitoso com a natureza. A dupla aqui do Tyrannus, que conhece a região, muito antes da implantação do Parque, claro que se esbaldou e relembrou dos “velhos tempos”.



Encontramos, por acaso, com o Prudêncio de Castro, professor da UFMT com uma turma de alunos. Geólogo referiu-se assim quando nos avistou: Olha lá um Tyranossauro Rex!!! Tyrannus Melancholicus é um ave, os cientistas dizem que as aves são répteis evoluídos!! Tudo a ver.
O Parque Nacional de Chapada dos Guimarães é inesquecível. Ouvi de repente o Lorenzo dar um grito quando entrou debaixo da cachoeira. Um cara do meu lado disse que era um grito primordial. E que devemos tentar dar uns gritos primordiais, de vez em quando, faz bem. Não entendi bem, mas achei legal!
Ontem dissemos que ficamos “pedestres” por seis anos, isso não é verdade: somos pedestres por natureza: andamos, caminhamos. Somos seres terrestres.  
Resolvemos registrar a emoção e a alegria que vivemos hoje. Dedicamos nossas palavras e imagens, especialmente, aos congressistas que compartilharam conosco este dia divertido, mas também de muito conhecimento.

Que maravilha, que privilégio viver perto de um Parque Nacional, pense nisso e invista: você vai gastar pouco, ganhar muitas horas felizes, muito sol, água fresca, ar puro, paisagens deslumbrantes e muiiiiitas lembranças, registradas ou não em fotos e filmes, desses momentos com a natureza.





sob cachoeira
o homem é caverna:
poesia grita (LF)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Carro novo

Depois de seis anos, eis que vamos encarar os problemas da mobilidade urbana,  motorizados.  Um carro não fazia parte dos planos, aconteceu... um presente irrecusável. Pra um dirigir, nunca foi prazeroso, pro outro nunca soube o que é lidar com um veiculo motorizado. Não quer, recusa-se terminantemente.
Mas, nem tudo está perdido. Pelo contrário: ter um carro significa um montão de vantagens. O direito de ir e vir funciona de forma muito mais ágil (esperamos). E não sou capaz de me imaginar perdendo a paciência, sofrendo e xingando no meio desse trânsito caótico que vigora em Cuiabá (!???). Depois de ter sido pedestre por meia dúzia de anos, não vai ser um sinal fechado o objeto do desejo de meu ódio.  Tem outra coisa, andar de taxi não dá mais, tá muito caro. Até um tempo atrás compensava, agora não mais.
Vou ter saudades das viagens de ônibus (não das horas que fiquei esperando nos pontos, do desconforto, do calorão), mas das pessoas, dos acontecimentos,  que até me divertida, reparando nas pessoas e na cidade, pelas molduras das janelas. Essa andação de ônibus, aliás, me inspirou muitas crônicas. Posso dizer que sou um privilegiado porque, nunca precisei do transporte coletivo em horários de pico.


Mas a vida passa. Dirigindo meu gol branco, cor da paz, me antevejo num sinaleiro emparelhado com um leitor deste blog. “-Olá! Como vai? -Eu vou indo. E você, tudo bem? -Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E você?”

No trânsito louco de cada dia, a faixa de segurança combina com um diálogo amistoso. Minha vida de pedestre muita coisa me ensinou. Por exemplo, não sentir tanta raiva enquanto me locomovo pela cidade. Raiva, sabe, não presta pra nada. Pode ser resultado de uma falta de comunicação, de uma noite mal dormida... etc! “-Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranquilo... Quem sabe? –Quanto tempo! –Pois é, quanto tempo!”


Êta mundão acelerado. Tempo é o que nos falta cada dia mais. Fugir dos engarrafamentos, passar os outros pra trás... Leis do bicho homem/coisas do trânsito. Até chegar num sinal vermelho e ter que parar. O palavrão quase saindo da boca pra fora. Não posso perder tempo porque meus compromissos me aguardam. “-Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios! –Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem! –Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí! –Pra semana, prometo, talvez nos vejamos... Quem sabe?”

Uma bela experiência em minha vida de pedestre, coisa recente. Atravessar a faixa e fazer com que os carros parem e aguardem minha travessia é coisa que gosto de fazer. É meu direito. É lei. Mas o faço com prudência, porque não sou suicida. Outro dia ousei e percebi que vinha um carro veloz, que freou e aguardou minha passagem. Fiquei meio sem graça e achei que o motorista estaria puto da vida... Percebi, com o canto do olho, que ele abria o vidro. “Vai me xingar”, imaginei. Virei o rosto e olhei pra ele assim mesmo. “Me desculpe... foi mal!”. O motorista arrasou.
Direção defensiva é isso aí e muito mais comportamento decente. “-Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas...”. Por falar em tanta coisa a dizer, nós aqui do Tyrannus adoramos os comentários que nos chegam... Mesmo que seja algo mais ou menos do tipo: “-Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!”


    

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A gente não fomos

Cuiabá é assim: quando chove, entra água no programa. E mela. Bastou a chuvarada da tarde dessa terça para os planos irem por água abaixo: não fui ao Cinemato, o Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá, que emplaca sua 18ª edição. Tinha planejado assistir ao novo filme da Tata Amaral, “Hoje”, com a Denise Fraga. Me disseram que elas estariam na plateia. E a passagem pelo festival, logicamente, se tornaria um assunto a ser desenvolvido neste post. Mas quá!

Cheguei a sair de casa e pegar o ônibus. Aí o pé d’água. Com o aguaceiro, não dá pé, porque o trânsito, já sabe... Resolvo descer pra pegar um táxi, pra não chegar atrasado ao ensaio do coral. Ao descer do coletivo e atravessar a movimentada avenida em busca do táxi, percebo que chuva está molhando pra valer. Meio ensopado, mas isso não tem problema. O ruim mesmo é o tênis encharcado. Merda...
Falando em cinema: mais erotismo que os pés de Lolita, não há!

Tudo sai como o não planejado. Barriguei o Cinemato, quem sabe amanhã. Me ponho a pensar em como a gente costuma subestimar essa parte do corpo, a nossa base. Os pés. O desconforto que me causou o fato de estar com o pisante e a meia molhados, e que eles nãos e secariam como a calça e a camiseta (que já estavam secando), foi o suficiente para cancelar a esticada até o festival. “Mande o meu abraço pra Denise Fraga...”, sugiro a uma amiga que ia pro Cinemato.

Tata e Denise

Voltemos aos pés. A primeira coisa que me vem à cabeça é o livro da Fernanda Young, que nunca li, mas acho interessante o título: “Vergonha dos Pés”. Sei que muitas pessoas sofrem disso: essa vergonha dos pés. Chato né...?! Pé chato também. Mais do que chato, doloroso, é um sapato apertado. Quanta gente não sai por aí e sofre, mas mantém a pose, mesmo que o sapato aperte tanto, que até a alma fica doendo.



 E se o sapato é maior, problemas não faltam. Pode ser um calo no calcanhar ou naquele osso do joanete. E tem aquela história de que o pé fica dançando (ou nadando) dentro do sapato e o pé fica “cansado”. Pé também cansa, gente. Uma mulher com sapato de salto alto é algo pra ser apreciado com gosto, quando há a elegância. Sempre valorizo esse lado feminino, o de sofrer se equilibrando num salto. Algumas dizem que nem se incomodam em usar salto, mas acho que não é possível. Tem uma lasquinha de mentira nisso aí.

Chuva em Cuiabá (Rodrigo Vargas)

Pé de valsa, pé de garrafa, pé de vento, pé fofo, pé na tábua, pé de pequi, ponta de pé, pontapé, pé de mesa, pé de pano, pé de ouvido, pé direito, pé de pato, pé sujo, pé na bunda, pé quente, pé frio, meu pé de laranja lima e basta... Forçando a barra, pé de pra acabar com essa conversa... ao pé da letra, fim!!!      



    

E nenhuma nota de rodapé.

Sambô na ponte do Rio Cuiabá

Ponte sobre o rio Cuiabá (Jared Aguiar, 2000)
Tomar banho de rio já foi um bom programa para fugir do escaldante calor cuiabano. Os rios Cuiabá e Coxipó recebiam famílias inteiras, turmas de todas as partes, gente de todas as classes sociais nos finais de semana e feriados, num passado nem tão distante assim. E como era divertido. Até os anos 80, em determinadas épocas, quando rio não tava muito vazio e nem correndo demais, era comum a gurizada pular da ponte velha, aquela onde deságua a avenida XV de Novembro.

Lembro-me que essa pulação da ponte gerou até pauta na TV Centro América. A repórter chegou para entrevistar a gurizada e viajou na pergunta: “Quando você pula da ponte, você cai?”. Quando a água tava assim meio turva, barrenta, outra brincadeira era mergulhar para o outro mergulhar em seguida tentando te achar. Essa brincadeira era chamada de “sambô”.  




Mas, além de pular da ponte e do sambô, pescar era outra grande diversão. A ponte ficava apinhada de gente com vara na mão (epa!!!), vara de pescar mesmo!!!. E quem passava ia logo perguntando: Tá pegando hoje? O que?  Pegar uma pirapuntanga era coisa que dava um status danado. Piraputanga é peixe ladino, esperto pra catiça e não se deixa fisgar facilmente. Conforme a época do ano, a isca variava. Com as águas bem limpas, transparentes, pescava-se a piraputanga com pinhão, uma frutinha pequena e seca, escura e bem leve. Era preciso ter uma técnica apropriada, porque a linhada era grande e não tinha chumbada. Com movimentos diferentes em cada braço, e muita coordenação, arremessava-se o pinhão devidamente enfiado no anzol a uma distância de cinco ou mais metros. Um movimento plasticamente bonito e cheio das ciências, que nem o de jogar a tarrafa.  



As praias de Santo Antonio do Leverger eram concorridíssimas nos finais de semana. Cuiabá inteira se mandava pra lá na segunda metade dos anos 70. A juventude chamava Leverger de “Santos”. Outra coisa que se fazia muito, era lavar carro, caminhonete e caminhão na beira do rio. Era coisa natural, ninguém se importava muito com isso não!

 


 A cuiabanada melhor, o matogrossense, sempre gostou muito de água: de rio, de açude, baía. As casas cuiabanas tinham depósitos de água (caixas dágua) e quase todo mundo tomava banho, com caneca, latas, pelado no quintal, a céu aberto, uma delícia.  Os depósitos de água nos quintais eram como um pedaço de rio que se trazia pra casa. Botavam até peixe dentro, acho que prá água ficar com mais jeito de água de rio... Naqueles tempos, tinha muito mais afinidade com o Rio de Janeiro. E quem era de família mais abastada ia estudar no Rio ou passar o verão por lá.

Banho no Rio Coxipó (Inst. Histórico e Geográfico de MT)

Enchente (Inst. Histórico e Geográfico de MT)


Acostumados com banhos de rio, os cuiabanos, quando iam às praias cariocas pela primeira vez, cometiam algumas gafes como levar sabonete, toalhas de rosto. Os mais velhos recomendavam aos filhos que não mergulhassem de ponta porque, debaixo d’água, poderia haver algum toco e seria perigoso bater com a cabeça nele. Sei do caso de uma moça que, acomodada nas areias de Copacabana, disse que queria sentar-se mais longe do mar, porque estava “burrifando” água. E que falou que areia era areia? Areia, pros cuiabanos, era terra. Outro cuiabano, dizem, reclamou do banho de mar porque na praia não tinha sarã pra pendurar as roupas. Um primo meu, quando foi conhecer o mar, no Rio, a primeira coisa que fez foi experimentar o gosto da água... “Hummm, tem gosto de azeitona”.
 

Hoje já não é mais assim. Perdemos um lazer acessível para todo mundo. Não se vê mais gente tomando banho no rio, pulando da ponte, pescando com vara. Às vezes um aqui, outro acolá.  Com essas lembranças e esse saudosismo, no qual a gente sempre acaba recaindo, vamos encerrando a edição. E, de japa (ou de lambuja), um belo poema de Ivens Scaff, legítimo cuiabano, criado no bairro do Porto, sobre um tempo que era assim...

Ponte Julio Muller (Inst. Histórico e Geográfico de MT)

Fim da infância
De casa em casa, ia o Capitão
o próprio Capitão do Porto
com sua farda branca impecável
os meninos sorrateiros, atrás
que novidade era aquela,
o que teriam aprontado daquela vez
Não tinham subido sem permissão
nas lanchas ancoradas
Não tinham pulado da ponte,
quanto mais do arco da ponte
Não tinham furtado piraputanga de nenhum jacá
Educadíssimo o Capitão do Porto
esclarecia às famílias do Porto
Educadíssimo o Capitão do Porto
farda de imaculada brancura
que seus filhos não deveriam tomar
mais banhos de rio nus
A maioria já tinha pentelhos
Não ficava bem