sábado, 16 de abril de 2011

"Um lance de dados jamais abolira o acaso"

15 de abril. Se compadre Chico estivesse vivo (o cara se mandou em 2002), completaria 55 anos. “Eu me amo, mas não sou correspondido” ... inventou. Esse negócio de morrer é complicado. Parece que fica uma dívida em algum lugar incomum do coração. Duvidá. Então, a gente reservou os últimos momentos desta sexta revirando archivos, poeiras e fungos. Até encontrar o destino desta data aniversária. Só pra(zer) com(partilhar) vocês uns caquinhos que ficaram registrados das nossas aventuras na terra do sempre, com Chico Amorim. Autêntico cuiabano, de família tradicional, noveleiro e erudito!




- Seria brincadeira? Sem dúvida, mas sua irmã lhe falou há cerca de uma semana: esse seu amigo foi visto com um pessoal esquisito tarde da noite disfarçando alguma coisa ali perto da rua de cima, mas se for verdade; teria coragem?... desde os sete anos, como um irmão... cresceram juntos, não... bem...
- Tem cigarro?
- Ah! Respondeu abandonando as conjecturas.
- Tem cigarro? Não, eu quero a carteira.
Foi tomado por uma semi-tremedeira – pra que a carteira se tem um cigarro acesso na boca – pensou, e começou a suar frio, um embrulho no estômago.
O carro deslizava pelas ruas a uma velocidade moderada, no banco da frente um rapaz com a cabeça raspada (calouro da universidade) e uma garota de cabelo louro e curto que falou: deixa que eu enrolo, abrindo a bolsa e tirando uma bola de papel.
Com uma vaga esperança, a exemplo de quando não respondia a nenhuma questão nas provas da aula e conservava a expectativa de uma nota razoável, tentou ainda se iludir, porém um cheiro forte encheu o interior do carro quando a mocinha acendeu o cigarro-sem-marca.
E agora, que desculpa iria dar para não fumar, falar que se soubesse que era para isso eu não entrava no carro... não, pra gozarem na cara dele depois é? Mentir que tinha problemas no coração? Essa não pega, alguém já havia usado sem sucesso. O problema não era agora, pensava, mas depois que estivesse viciado como iria arrumar dinheiro pra comprar e já se via roubando as jóias da mãe, vendendo a própria irmã e lembrava “a maconha em si não faz mal mas é um trampolim para outras drogas” tudo isso ele já sabia através da a”Família Cristã”, é verdade tava lá na revista. O quê que deu na sua cabeça pra mentir que já tinha experimentado quando lhe perguntaram ontem, pensou.
Agora estava feito. Fumou. O amigo (o falso amigo) sorria e olhava para ele. Ele também sorriu; passou o cigarro-sem-marca para o careca do banco da frente, este parecia impaciente. Um carro passou por eles.
- Tá sentindo alguma coisa? Perguntou o amigo (o falso amigo).
- Estou! Estou ótimo. Na verdade não sentia nenhuma diferença, nada de estranho.
Passado o impacto começou a divagar novamente sobre o assunto, encostou a cabeça ao vidro lateral do carro e uma ideiazinha começou a formigar-lhe a mente, olhou a garota – é bonita – será o quê que vai acontecer agora, eu acha que ela... parece que quando fumam, elas... mas ela não tema cara de quem dá, mas não tem cara de quem fuma maconha também e, se fuma, com certeza deve fazer de tudo, faz sim eu li numa revista, tem até uma que morreu e tava com uns cinco homens quando encontraram ela no apartamento nuinha... ai, ela tem uns peitinhos durinhos e que boca, parece com a Vera Fischer. – Ia abrir a boca pra perguntar algo pro amigo (amigo do peito) quando este lhe estendeu novamente a mão para passar o cigarrinho que já tava quase no fim. Fumou até queimar os dedos.
- Não tem mais nada, falou pro amigo, e este respondeu que podia jogar fora.
Começou a rir, do que será que estava rindo..., o careca e a Vera Fischer também riam. O rádio tocava uma música – bonita essa música – olhou o cinzeiro do carro, estava cheio de tocos de cigarro, sentiu que o cinto de segurança lhe incomodava a perna, afastou para um lado o cinto de segurança, abriu a carteira de cigarros e tirou um, pegou a caixa de fósforos e dali retirou cuidadosamente um palito, riscou e ficou olhando a chama que se apagou com o vento, acendeu outro palito e agora sim aproximou-o do cigarro e acendeu, olhou para as mãos e reparou as unhas meio grandes. (1978)



Quero um pedaço de pão



Todas estas coisas
Que sobrevoam a minha mente
Quando em versos se desfazem
Me deixam meio frustrado
Porque perdem seu mistério
E me parecem diferentes
Todas estas coisas
Que minha mente
Sobrevoam
Me deixam meio frustrado
Quando em versos se desfazem
Porque perdem o mistério
Que as confere o pensar
E diferentes parecem


Quero algo mais profundo
Não quero saber de mim
Nem quero o saber do mundo
Quero algo mais profundo
Não quero saber do mundo
Quero um pedaço de pão
Quero algo mais profundo:
Me afundo


Não tem mais nada...e este respondeu: pode jogar fora


Eu queria ser muito rico
Para ter todas as drogas
Que conduzem meu pensamento
Palavras e obras



Atrás de mim
A vassoura do tempo
Varrendo os rastros
Do meu passo
Apagando todas as paixões
Com o estardalhaço absurdo
Do silêncio




Hollywood, Hollywood comigo ninguém pude








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