sábado, 19 de novembro de 2011

Ode a Keats


“Brilho de uma Paixão”, filme sobre John Keats (1795-1821), poeta inglês, considerado o último romântico. Hoje incensado e canonizado pela crítica literária, Keats, morreu com apenas 25 anos, acreditando ser um fracasso. Olha, a combinação de cinema com poesia é uma tentação cá pra nós.

Somado a isso, o fato de que a direção é de Jane Campion, cineasta neozelandesa de “O Piano”, filme que acumulou prêmios em 1993, entre eles, Oscar, Globo de Ouro, Palma de Ouro e Bafta. Quem faz um filme como “O Piano”, é quase certo, não fará algo tão desprezível. De fato, desde o começo de “Brilho de uma Paixão”, percebe-se que estamos diante de um filme sensível, inteligente e produzido esmeradamente.

O“Brilho de uma Paixão” estava gravado há alguns dias, na sexta-feira chegou a sua hora aqui em casa. Peguei um livro de John Keats que já li avidamente, para reler alguns poemas e me inspirar. Não foi a coisa correta, talvez, porque poesia romântica é coisa do passado e não é qualquer hora que a gente sai lendo poesia e se convence. Para ler poesia, também é preciso de inspiração. Acho que isso me faltou. “Esse John Keats é um chato”. Sim, cometi esse sacrilégio. Não espalhem, por favor.
Pouco depois, firmei os olhos no filme que estava rolando, assim, meio invejoso, porque uma parte do Tyrannus já se mostrava embevecida com ele. Que beleza, quanta poesia no filme. Uma poesia visual. Imagens surpreendentes que mais pareciam uma sequência de obras de arte. E que interpretação de elenco, quanta verossimilhança na narrativa em torno da vida de Keats, aqui mostrado totalmente envolvido com a sua poesia e com a paixão correspondida, mas não consumada, por uma bela jovem. 


“Brilho de uma Paixão” me remeteu ao título de um livro incrível do mato-grossense Ricardo Dicke, “O Salário dos Poetas”. Sem conseguir ganhar dinheiro com seus versos e, atolado em dívidas, Keats comeu o pão que o diabo amassou. Por causa das dificuldades financeiras, renegava seu amor. Para completar, como romântico que se presa, tratou logo de contrair uma grave doença pulmonar. 
Pouco a pouco, fui me envolvendo totalmente com a história. Lemos  uma crítica sobre o filme, classificando-o como um quadro. Não há como negar essa força pictórica que emana da obra. Mas também o julgamos como um grande e belo poema, pela qualidade do roteiro e dos diálogos apresentados. Ao final, um magnífico poema de John Keats é descortinado. E a poesia romântica desse autor mostra-se altaneira e inspirada. Um filme terno e justo, à altura do grande poeta.     
"Aqui descansa um homem cujo nome está
escrito sobre a água"
Ode a um Rouxinol
Meu coração dói, e um torpor aflige
Meus sentidos, como se ébrio de cicuta,
Ou sorvido algum vapor de ópio
Um minuto passou, e no Letes afunda:
Não é inveja de teu fado feliz,
Mas feliz em tua felicidade -
Tu, lúcida - alada Dríade do bosque,
Em tal melodiosa trama
De faia verde, e de sombras inúmeras,
Cantaste o Verão à plena garganta.

Ó fruto da vinha! Que repousas
Tanto tempo na profunda terra,
Degustar de flora e verdes campinas
Dança, canção provençal, e diversão,
Ó taça cheia do caloroso Sul,
Cheia de real e rubra Hippocrene,
Com espuma cintilante até a borda
E a manchar a boca púrpura,
Que beberei, e deixar o mundo não-visto,
E contigo sumir na floresta sombria:

Afaste, dissolva, e esqueças tudo
O que entre as folhas jamais conheceste,
O tédio, a febre, a irritação
Aqui, onde os homens em gemidos mútuos
Onde o torpor abala tristes cãs,
Onde os jovens pálidos, débeis, morrem,
Onde pensar é ser cheio de mágoas
E desespero no olhar;
Onde a Beleza perde o olhar lustroso,
Ou o Amor gasta-se no dia seguinte.

Para longe! Eu desejo voar contigo,
Não guiado por Baco, e seus convivas,
Mas nas invisíveis asas da Poesia,
Mesmo que a mente se atrase confusa:
Estarei contigo! Suave é a noite!
E por sorte a Rainha-Lua no trono,
Cortejada por suas brilhantes Fadas;
Mas aqui lua não há
Salvo a brisa que desce do céu
Em penumbras e trilhas sinuosas.

Não posso ver flores aos meus pés,
Nem o incenso a flutuar sobre os ramos,
Mas, nas trevas suaves, aprecio cada um
Onde a bela estação oferece
A grama espessa, e a árvore silvestre;
O espinheiro-branco, e a flor pastoral;
Violetas a murcharem sob as folhas,
E o broto de plena Primavera,
O almíscar-rosa, de vilho orvalhado,
O zumbir de moscas em tardes de Verão.

Sombrio eu ouço; e por muito tempo
Meio atraído pela suave morte,
A chamei com nomes doces nas rimas,
Para arrebatar meu fôlego calmo;
Pois parece proveitoso morrer,
À noite, cessar tudo sem dor alguma,
Enquanto derramas toda a tua alma
Em semelhante êxtase!
Cantarias ainda, em vão, meus ouvidos
Ao teu nobre requiém viraram relva.

Não nasceste para morrer, ave eterna!
Gerações ávidas não te derrubam;
Ouço nesta noite a voz já ouvida
Outrora por imperador e curinga;
Talvez a mesma melodia na trilha
Ao triste coração de Rute, saudosa,
Ansiava o lar, em pranto, no exílio;
O mesmo a encantar outrora
Mágicas janelas, abertas à espuma
De mares bravios, em terras lendárias.

Desolado! as palavras ressoam
A levar-me de ti à minha solidão!
Adeus! A fantasia não ilude
Como dizem, ela, a falsa ninfa.
Adeus! Adeus! Teu queixoso hino finda
Além das campinas, além dos riachos,
Além das colinas, já sepulto
Nas clareiras do vale próximo;
Foi uma visão, ou um devaneio?
Foi-se a melodia - acordei ou durmo?

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