sábado, 18 de fevereiro de 2012

Libelo ao amor

Na contramão do clima carnavalesco quando ficar e beijar de forma múltipla e destabelada faz parte do show, enquanto o corpo vai saracoteando ao rufar dos tambores, fomos impregnados por um romantismo quase patológico. Que coisa! A culpa é do Louis Malle (1932-1995) com o seu “Os Amantes” (1958). E a beleza e cumplicidade de Jeanne Moreau. Assistimos à noite... amanhecemos com o filme. Será um amor de carnaval?



Uma história de amor bem contada pega mesmo. Jeanne é uma mulher casada, burguesa que vive numa suntuosa casa em Dijon. Enquanto o marido está envolvidíssimo com o trabalho ela leva uma vida entediante. Para se distrair vai seguidamente à Cidade Luz onde substitui o tédio pela futilidade e ócio, na companhia de uma amiga de infância. Claro que uma mulher belíssima como Jeanne não passaria despercebida e, inevitavelmente, envolve-se com um playboy jogador de pólo. Mesmo assim sua vida é um vazio existencial espetacular! Está cercada pelas aparências da burguesia e não disfarça sua infelicidade. Sabe que não é feliz. De resto não tem certeza de nada, porque a vida é assim mesmo.






Voltando de Paris para casa onde receberá a amiga e o amante para um jantar, por imposição do marido, que honra a predestinação de ser o último a saber que está sendo traído (será que é assim no mundo inteiro?); seu carrão enguiça na estrada e aparece a carona de um jovem arqueólogo (Alain Cuny). É visível a diferença entre eles. Sabe essas diferenças que aproximam as pessoas? Daí pra frente, a obviedade toma conta, mas, curiosamente, o filme fica mais charmoso e interessante. Afinal, não é a história em si que interessa, mas sim, a forma e intensidade como é narrada.

A coragem dos amantes chega a ser constrangedora para o espectador. Você fica torcendo para que eles não sejam flagrados, enquanto o cineasta manipula esse casal entorpecido diante de nossos olhos sob a luz do luar ou na luminosidade do sol que está nascendo. Tudo é paixão que se transforma em poesia fílmica. Jeanne descobre a felicidade e seu amante está no mesmo barco, inclusive, literalmente. Aos outros personagens da história, esses pobres coitados, sobra apenas a impotência.




“Os Amantes” tem uma impressionante riqueza literária. Impossível não se recordar de livros como “Madame Bovary” (Gustave Flaubert), ou “O Amante de Lady Chatterley” (David Herbert Lawrence). Não se trata de associar as histórias e mencionar semelhanças ou personagens. É questão apenas de considerar que são obras grandiosas e que merecem ser apreciadas.

Enfim, os filósofos dizem que amamos o desejo, não o desejado. Cremos que amamos a felicidade de amar.




Em branco

Dizem que Cézanne
quando certa vez pintou um quadro
deixando inacabada parte de uma maçã
pintou apenas a parte da maçã
que compreendia.
É por isso
meu amor
que eu dedico a você
este poema
em branco.
(Ana Martins Marques)

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