terça-feira, 20 de março de 2012

Caché, guenta o tranco!

Cansados de ver a cara do Daniel Auteil, grande ator francês. E ainda somos aprendizes em matéria de cinema europeu contemporâneo. Pouco sabemos sobre ele, e dos seus diretores emergentes. Teria que puxar pela memória pra citar meia dúzia de realizadores que estão nas paradas nos últimos anos. Foi com esse espírito que nos estatelamos na sala pra assistir “Caché” (2005), filme do diretor austríaco Michael Haneke. Numa noite, até um pedaço, pra dormir. Na outra noite, rebobina... (como nos tempos da fita cassete) vamos ver tudo de novo. Agora foi do início até o fim, com os olhos grudando na telinha na medida em que o filme avança. Olha...

“Fazia tempo que não via você gritar num filme”. Meu comportamento foi reparado, mas ainda estou em dúvida se gritei mesmo. Se gritei, tudo bem, porque há uma cena forte demais, vamos logo avisando. Um apresentador de programa de TV bem sucedido, aparentemente, é o protagonista central da trama. Um cara frio e distante. Nem aí pra porra nenhuma. Alguém resolve remexer em seu passado, escarafunchando a sua ferida social mais antiga e humana. E ele e a família são obrigados a passar por uma intensa provação. Como vai se sair nessa tarefa é a sorte que o filme, aos poucos, vai nos overdosando. É impossível não se envolver.



Daniel Auteil e Juliette Binoche, escondidos de si mesmos

O personagem tem sua vida devassada por um voyeur demasiado intencional. Seu cotidiano e sua vida são documentados às escondidas. São fitas, desenhos etc; que ele começa a receber de um remetente anônimo. A ferida é reaberta e ele parte à procura dos cacos de seu passado. A história avança e vai se evidenciando uma grave patologia social no personagem de Auteil. Porque o mundo tá cheio de gente assim. “Mas como, de que forma, culpar um garoto de seis anos por uma ação cruel..., mesmo que saibamos que o que ele fez, deu no que deu”. Nos fizemos essa indagação a certa altura “Caché”.


Sob tensão e sob...

...alta tensão!

O diretor joga essa tarefa ao público que assiste este suspense, cuja narrativa é enriquecida pelas imagens e por uma edição que contracenam vorazmente com um roteiro carregado de dramaticidade. Dramaticidade, frise-se, que parte dos personagens que repartem as cenas com Auteil que, em momento algum, parece que vai baixar a guarda e assumir seu distanciamento quase patológico. Coitados de seu filho, sua esposa, sua mãe... Mais coitado ainda é um personagem que foi próximo a ele na infância.



Ruídos estranhos e alternância de cenas com matizes diferenciadas... uma hora parece ser o voyeur misterioso que filma, noutra, ou na mesma hora, já parece que é a câmera narradora. Essa imprecisão perturba quem assiste. Funciona como o tempero para se chegar ao clima incômodo que o roteiro pede. Um filme racional e frio. E bonito. Daqueles que faz a gente pensar. Pensar sobre as pessoas, sobre o que elas são e fazem e como vieram a se tornar aquilo que são. Pensar faz bem pra saúde. Pensar é um verbo que anda em falta no momento. O filme de Haneke faz a gente pensar. Isso é bom.

Haneke colhendo os louros

4 comentários:

  1. Excelente esse filme. Havia escrito sobre ele no meu blog em 2007. Haneke é sempre uma boa escolha

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    1. Valeu André. Este foi o primeiro filme do Haneke que assistimos por inteiro. Escolher um filme através do nome de quem o dirige é uma postura que costumamos assumir, mesmo que não funcione 100%.

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    1. Fiquei meio amedrontado diante de "A Fita Branca" quando estive pra ver ano passado. Vi só um pedaço. Agora, depois de assistir Caché, não seis e voltarei à fita. E só pra registrar, faltou um "u" no nome do ator principal do filme. Erramos e não corrigimos. Favor não contar a niguém!

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