sexta-feira, 27 de abril de 2012

Fé demais

“Takva, o temor de um homem por Deus” (2006), um filme que precisa ser visto. Digerido. O grau de indigestão que cada um experimenta depois depende das particularidades pessoais. Cá pra nós, foi uma experiência positiva. Um cinema que acrescenta e encanta. Faz a gente pensar e se (in)acomoda em algum lugarzinho da memória. Não passa batido.

Talvez por nossa religiosidade demasiado discreta, talvez não culpa nossa e  outros talvezes. O fato é que é estranha essa história de ser “temente a Deus”. Cair na besteira é questionar esse tal temor ao ser onipresente com pessoas erradas. Claro que sabemos que esse “temer a Deus” é metafórico. Ou será que não? Nada sei... de nada. No apuro, há sempre um soluço disfarçado de “Meu Deus do céu”.




Sigamos adiante, mas registrado o respeito que deve ser destinado a todas as diferenças que existem entre povos e pessoas, incluindo, logicamente, as doutrinas religiosas, neste mundo onde a maldita intolerância é a grande vilã.

O filme que compartilhamos hoje é uma visão particular de devoção extremada que pode provocar distúrbios comportamentais em qualquer pessoa, que se aprofunde nesse complexo mundo espiritual.  

"Eu estava só e te encontrei, te encontrei e estou só"

Dito isto, pobre Muharrem, personagem central do filme turco/alemão, “Takva...”, que assistimos em dois dias. A primeira metade foi hora de reparar na estética forte e personalista do diretor Özer Kiziltan. Bela luz, onde predomina o azul, numa fotografia sóbria, enredo crescente, atores ótimos e trilha sonora expressiva. Uma história contada com perfeição e que se desenvolve em ritmo contagiante. O filme exige total atenção. O envolvimento é inevitável.



Se o personagem já tinha mostrado todo seu fervor por Alá, na metade seguinte, pelo seu comportamento retilíneo, é guindado a um cargo que lida com as finanças da instituição religiosa e torna-se reverenciado por todos. As benesses monetárias lhe chegam acompanhadas de tentações materiais. Um celular, um carro e até mesmo uma esposa, a bela filha do xeque que o promoveu. Para um homem tão temente a Deus – neste caso, Alá, que se desesperava com um simples sonho pecaminoso, a nova situação passa a ser paranóica.





Muharrem consegue disfarçar seu drama pessoal perante os personagens, mas, confidencia o tempo inteiro com o espectador. Suas alterações comportamentais revelam-no um homem que entrou em parafuso. Às vezes compadecidos, às vezes curiosos, seguimos acompanhando o inusitado filme.

Se começamos assistir reparando nos detalhes da técnica cinematográfica tão bem utilizada por Özer Kiziltan, enquanto nos ambientávamos com o enredo, abruptamente, passa a nos surpreender o suspense eletrizante que se instala. E agora, o que vai acontecer com o pacato sujeito que mal dava conta de administrar suas tentações enquanto era um humilde e fervoroso servo de sua fé?


“Se quiser conhecer um homem, dê-lhe dinheiro e poder”. O filme passa ao largo desse chavão ficcional e mergulha de cabeça na questão existencial de um devoto que não estava preparado para enfrentar, sem medo de viver (e de errar), os prazeres que a matéria que atrai matéria nos propicia.




Nenhum comentário:

Postar um comentário