quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Leituras femininas

A Cidade

Curto curta. E curti muito "A Cidade" (15'/RS), de Liliana Sulzbach, documentário, o primeiro curta a ser exibido entre os filmes que competem no FestBrasília, na noite de quarta. E depois continuei curtindo: só que o documentário longa-metragem "Kátia" (74'/PI), de Karla Holanda.

Foi o que deu pois fui acometido por uma tradicional cefaleia e retirei-me  do Teatro Nacional, onde acontecem as exibições. O que quer dizer que fico devendo textos sobre os curtas "Mais valia" (4'22''/MG), "Vereda" (20'/PR), e o longa "A memória que me contam" (95'/RJ), respectivamente, de Marco Túlio Ramos Vieira, Diego Florentino e Lucia Murat. Anota aí e põe na minha dívida. Afinal dívida é dúvida!

Liliana Sulzbach
A qualidade dos filmes vai se confirmando. Abordagens espontâneas, fotografias com um algo mais. O ponto negativo tem sido o som. Todo mundo reclama da acústica da sala e nos valemos de um dispositivo que apresenta legendas - a salvação, que é usado pelos deficientes auditivos. Esse lance, aliás, é muito bacana. Têm, ainda, uns pontos de áudio-descrição que socorre os deficientes visuais. Deveria servir de exemplo para todos os festivais e isso já acontece há uns seis anos aqui em DF, o que significa que já existe um público cativo de deficientes habituê no FestBrasília.

Deficiência lembra discriminação, algo que faz parte do contexto dos dois filmes que assisti. "A cidade", da jornalista e mestre em ciência política Liliana Sulzbach, enfoca a pequena cidade gaúcha Itapuã que já teve 1454 habitantes ao longo de seus 70 anos, contando hoje com apenas 35. O local abriga portadores do mal de hansen, doença que pelo caráter bíblico discriminou seus portadores por séculos e séculos, mas isso já é coisa do passado. Será?

A constatação desse passado sofrido/resolvido o a caminho disso está na espontaneidade e no desprendimento que se verifica na maioria dos depoimentos, fornecidos pelos atuais moradores de Itapuã. E Liliana aproveita com maestria os famosos 15 minutos de fama (a duração de seu filme), nos mostrando um material que incorre em narrativa simples, valorizando as bonitas imagens, os diálogos e até mesmo os cacos do áudio que captou. Um tema, supostamente pesado, que resulta num filme pra cima e emotivo. Daqueles que têm mil e uma utilidades e servem para espectadores de todas as idades, credos, etnias etc. Para rir e chorar. Filmaço!

Kátia e Karla
E dá-lhe discriminação. A temática mostra-se escancarada em "Kátia", de Karla Holanda, que expõe a travesti Kátia, a primeira a ser eleita para um cargo político no Brasil. Kátia, antigamente Zezão, acumula três mandatos de vereadora e um de vice prefeita. Tive a honra de ir do hotel para a sala de exibição na mesma van que Kátia, quando pude especular um pouco sobre sua vida e suas expectativas.
"Vi só uma parte do filme... mas não estou nervosa", contou-me. Reparei que a Kátia, em cena, no telão, é exatamente a mesma com quem conversei. Isso é muito importante para que se confira a autenticidade que uma personagem desta natureza requer. A cineasta Karla Holanda conseguiu montar um documentário banhado de simplicidade, sem linguagens sofisticadas ou narrativa diferenciada. E como haveria de fazê-lo, se Kátia, o objeto de seu filme, é uma notável criatura lá do sertão do Piauí e vive numa pequena cidade de pouco mais de oito mil habitantes?

Kátia

Equipe
A relação de Kátia com os moradores da cidade, com seus familiares, com  cabras e bodes, vacas e bois, galinhas, porcos e cachorros é o que rola ao longo do filme, sempre divertido e carregado de cores fortes. Numa hora, Kátia está andando de carona numa motocicleta segurando uma toalha ao vento para, talvez, não pegar sol. Noutra hora, Kátia está no Rio de Janeiro, onde participa de um evento anti-homofobia e pechincha com um lojista para comprar um biquíni, embora o que ela queria mesmo fosse uma meia/calça arrastão daquelas que arrasa.     


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