domingo, 1 de julho de 2012

comigo ninguém pode

Uma característica marcante de Cuiabá, cidade que permaneceu muito tempo isolada, é o jeito diferenciado de falar. Esse é um tema recorrente nas cabeças e bocas de quem por aqui vive. E é quase coisa do passado. Não adianta ser saudosista e clamar contra o provável sumiço do antigo falar cuiabano, esse jeito de palavrear que ainda pode ser encontrado em áreas ribeirinhas ou bairros mais humildes. Pois é nesses locais onde vive parcela da população cuiabana que nunca saiu daqui e o máximo de contato que tem com informações universais só acontece quando espia a televisão.


(Foto: Secom/VG)

Quando nos dizem que é nesta cidade o centro geodésico da América do Sul, ruminar uma respostada é quase incontrolável: “E daí... Cuiabá é o lugar mais longe de tudo”. Mais longe, e mais quente. Essa distância é que dificultava em demasia o acesso até estas bandas. Então, os povos daqui, viviam ensimesmados com suas lides, costumes e cultura. A influência da ambiência rural, que hoje perde espaço, já predominou. E se enraizou na sociedade. “Põe aquele vestidinho “carijó” nela”, ouvi um amigo dizer pra esposa nos anos 80, quando eles arrumavam a filhinha pra um evento social.



 
Bom, a estampa carijó, certamente, é conhecida e praticada no planeta inteiro, mas não acredito que a galinha carijó seja tão “valorizada” por esse mundo a fora. O design carijó, que deve ter outra denominação no mundo fashion, é tão conhecido quanto os estilos zebra e onça pintada. Mas essa mania de associar tudo com as coisas da natureza, para exemplificar claramente, em termos conceituais e visuais, é muito comum nos idiomas indígenas.


Pescador experiente que conhece beira de rio, deve fugir de uma espécie vegetal que margeia os cursos d’água daqui: “unha de gato”. O nome já diz tudo. E o tal do “capim navalha”? Você seria besta ao ponto de passar a mão nele pra ver se corta mesmo? Tem uma plantinha de chão, gramínea, que também é espinhenta. Leva o sugestivo nome de “obrigabaixar”. Experimenta pisar nela descalço pra entender a origem da nominação. Faz tempo que não sentimos um odor desagradável que vem de uma madeira que já foi usada na construção: “pau bosta”. Precisa explicar?


Sarã

Tem uma árvore de grande porte nas matas daqui que dá uma frutinha muita apreciada pelos animais silvestres. Você pega essa fruta e esfrega na mão molhada... puro sabão. Adivinha se o nome desse arvoredo não é saboneteira. Há algumas décadas, se você chamasse algum cabra macho de “pula moita”, poderia ser encrenca à vista. Um veado comum no cerrado, conhecido como catingueiro ou foboca, era também conhecido como pula moita. Esperto, ágil e veloz, com suas pernas finas, não tem o que alcança ele quando se manda na savana brasileira.




Sujeito que não presta, cabe emprestar a ele o apelido de “pequi roído”. Houve um tempo em que a saúva, aquela formiga cabeçuda, seria o grande problema do Brasil. Ou o país acabava com ela, ou ela com o Brasil. Mas quá... que saúva que nada. Aqui em Cuiabá e adjacências, essa formiga cabeçudona era conhecida como “carregador”. Claro, pois vive carregando pedaços de folhas e frutas em seus intermináveis trilheiros.




E já que estamos no reino dos insetos, que tal o “cagafogo”, uma abelhinha besta, que enrola em nossos cabelos quando invadimos as áreas proibidas de sua colmeia. Dão uma leve queimadinha. “Boca azedo”, outra formiga comum, cujo segundo nome não tava nem aí pro fato do primeiro nome ser no feminino.




“Lambe olho”. Uma praga de uma mosquinha que fica perseguindo nossos olhos. Se um lambe olho pousar no olho de alguém com conjuntivite, e depois pousar no seu, já viu. Você vai ficar com “dordóio”. E aí vai ter que comprar o colírio “lavoio”, porque senão vai ficar com a vista “merejando”, que nem olho de tamanduá mirim.  



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